Com Sócrates, Platão e Aristóteles, a filosofia ganhou algumas características que se fixaram, transformando-se na marca de discurso racional até os dias de hoje. O que isto quer dizer é que, se possuímos algo que se chama razão e se a exercitamos por meio de uma investigação crítica do pensamento, então, esta investigação, este pensamento crítico sobre o que quer que seja, deverá possuir, em algum grau, essas características. Vejamos quais são:
• Racionalização: O pensamento filosófico, a compreensão do mundo segundo a Razão, não deve possuir qualquer traço supersticioso ou de crença pessoal que, como vimos, ficou para trás, seja para melhor, seja para pior. O discurso racional também não pode ser influenciado pelas emoções, por gostos particulares, por medos, impulsos etc. A pergunta que nos resta é se um ser humano seria capaz de deixar todas estas coisas de lado para pensar de maneira racional. Em outras palavras, seria alguém capaz de ser puramente racional?
• Demonstração: Todas as explicações filosóficas, racionais portanto, deverão possuir provas; ou seja, elas devem ser acompanhadas por justificativas ou por testemunhos que não deixem que sobrem dúvidas sobre a verdade do que foi dito. Tanto melhor será o discurso racional quanto mais provas sobre aquilo que ele afirma existir ou não existir ele trouxer consigo. Assim sendo, a filosofia rejeita os discursos sem sustentação, aqueles que são afirmados como boatos ou como mostras de uma crença ou opinião particular.
• Discussão: É essencial para a filosofia que tudo o que seja pensado possa ser colocado a público e submetido às críticas. É necessário que haja debate sobre as idéias, só assim se pode perceber suas falhas e corrigi-las. Muitas vezes, acreditamos que nosso discurso está perfeitamente racional, que não foi influenciado por crenças nem por emoções de qualquer tipo, ou ainda que está perfeitamente demonstrado, mas, quando colocado num debate, não resiste quase nada às críticas dos outros. Só então se pode notar que não estávamos percebendo um erro, uma falha, que outros perceberam rapidamente.
• Método: Tudo o que vem a ser conhecido deve ser conhecido a partir de uma maneira pré-estabelecida. O que isto quer dizer é que se deve tentar evitar o acidental nas investigações racionais, na medida em que o que o acidental nos traz como conhecimento algo que dificilmente pode ser provado. Assim, para evitá-lo, faz-se necessário uma organização prévia do pensamento antes de pólo realmente em prática; isto se faz estabelecendo um método, uma prática, que é mais ou menos como regras de como deverá acontecer qualquer investigação.
• Universalização: É universal aquilo que é comum a todos, ou seja, aquilo sobre o que todos concordam ou aquilo que todos aceitam porque é extremamente óbvio ou porque não há formas de recusar. Por exemplo, é universal o conhecimento de que todos os seres vivos necessitam de oxigênio, de que o número 2 pode ser obtido pela soma de 1 e 1 ou de que qualquer triângulo possui três lados. Assim também ocorre em filosofia, suas idéias primárias devem ser de comum aceitação para que se possa dar início a uma investigação que, muitas vezes, leva a afirmações não tão fáceis de aceitar ou menos óbvias.
De maneira geral, todos estes cinco critérios para o pensamento racional já eram conhecidos há 2400 anos e ainda continuam a valer nos dias de hoje. Sem obedecê-los, muito do que dizemos em certos lugares perde o valor - na verdade, se queremos nos fazer realmente convincentes em um mundo que se pretende racional, então tudo que tentamos conhecer e explicar deve ser conhecido e explicado seguindo estes cinco pontos. Dependendo da maneira como o fazemos, se bem ou se mal, então tanto mais ou menos verdadeiro, supõe-se, será o que dizemos ou deixamos de dizer.
No dia-a-dia, na feira, na casa de um amigo, no trabalho, quase nunca empregamos um pensamento tão sistematizado assim. Geralmente falamos fornecendo nossa opinião particular, sem provar nada, sem querer ouvir críticas, sem pensar a respeito antes e sem estar de acordo com outras pessoas. E ainda bem que é assim, já que, se tivéssemos que seguir estas regras toda vez que fôssemos falar qualquer coisa, então quase nada poderíamos dizer e tudo se tornaria um pouco difícil e chato. Contudo, na filosofia, é imprescindível que estes critérios sejam respeitados e é isto que torna o discurso filosófico pouco atraente e distanciado da maioria.
1- Qual é o objetivo principal ao se obedecer regras para o pensar? Por que estabelecer critérios se o pensamento parece acontecer naturalmente, sem ninguém ter que me dizer como devo fazê-lo?
2- O uso intensivo destes critérios pode dificultar nossos afazeres cotidianos, então como alguém pode ter começado a usá-los? Será que é necessário se afastar um pouco do dia-a-dia para se tornar filósofo? Argumente em favor da sua resposta.
3- Você consegue imaginar pelo menos uma maneira de ser, ao menos, um pouco filósofo no cotidiano. Tente dar um exemplo prático.
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