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domingo, 30 de maio de 2010

Descartes e o método...

Já acompanhamos o surgimento da dúvida em Descartes. Qual dúvida? A dúvida acerca de como podemos conhecer verdadeiramente as coisas, os objetos, o mundo ou os nossos pensamentos. Também acompanhamos o seu raciocínio sobre como deve ser este conhecimento. Isto é, um conhecimento realmente bom, um conhecimento realmente válido, deve possuir duas características principais: ser Universal e ser Necessário. Muito resumidamente podemos dizer que ser universal é ser válido para todos; e ser necessário é decorrer (existir) obrigatoriamente.

Descartes parte, então, para uma averiguação de todos os conhecimentos que ele adquiriu durante a vida. Seu interesse era verificar se aquilo que ele pensava conhecer era universal e necessário. Chega à conclusão de que apenas alguns destes conhecimentos possuem esta característica e outros não. A Matemática, a Geometria e a Lógica são por ele considerados conhecimentos universais e necessários, na medida em que as afirmações que daí advém são aceitas por todos que participam de suas regras. Por exemplo: a operação 1 + 1 = 2 não requer que discutamos se há a possibilidade de que o resultado seja um outro.

O resultado da soma 1 + 1 é aceito por todos (é universal, portanto), mas, mais do que isto, não pode ser nenhum outro senão o número 2 (é necessário, portanto). O mesmo acontece com o triângulo, todos concordam que o triângulo seja um polígono com três lados (universalidade), mas, mais do que isso, para chamarmos um polígono qualquer de “triângulo”, é necessário que este polígono possua três lados. Na lógica verificamos raciocínios semelhantes como no caso do bastante popular argumento sobre Sócrates: “Todos os homens são mortais, Sócrates é homem, portanto Sócrates é mortal.”

No entanto, Descarte considerava que a Astrologia (nessa época, a astrologia era considerada uma ciência válida), a Astronomia, a Alquimia (a predecessora das atuais ciências biológicas e químicas) e todos os outros conhecimentos que lidavam com suposições sobre o espaço e o tempo (e seu conteúdo: a phisis), apenas afirmavam opiniões particulares sobre o mundo. Os saberes que se obtém destas ciências advém da percepção, seja dos astros, seja dos elementos físicos que nos rodeiam. Portanto, para Descartes, os resultados destas percepções podem variar de pessoa para pessoa na medida em que cada indivíduo só pode fazer observações segundo um ponto de vista particular, ou seja, único e singular para cada um. Dois astrólogos, por exemplo, poderiam obter resultados diferentes partindo da observação da mesma conjuntura de astros no céu. Por outro lado, dois matemáticos jamais poderiam chegar a resultados diferentes ao executarem a mesma operação matemática.

A diferença crucial entre estas formas de conhecer (as ciências exatas de um lado e as ciências naturais de outro) era justa-mente o Método adotado. O grupo formado pelas ciências exatas tinha por metodologia descartar qualquer conhecimento que fosse obtido pelas vias sensórias (visão, audição, olfato, paladar, tato), enquanto que as ciências ditas “da natureza” se apoiavam exatamente nestas percepções físicas do mundo.

Na filosofia fundou-se, assim, o Racionalismo. Esta doutrina apoiava todo e qualquer conhecimento válido universal e necessariamente, única e exclusivamente, obtido no exercício da Razão por meio, principalmente, do uso extensivo das ferramentas fornecidas pela lógica, pela geometria e pela matemática. Os racionalistas abdicavam de executar qualquer tipo de experiência que envolvesse os sentidos, já que eles acreditavam que estes só poderiam fornecer pontos de vista particulares sobre o mundo. Eles acreditavam que somente com as opiniões individuais sobre os diversos objetos particulares não se poderia formar um conjunto de afirmações realmente válidas, ou seja, não se poderia constituir uma ciência e, deste modo, não se poderia obter um conhecimento verdadeiro segundo os moldes que eles propunham. Descartes é considerado, por muitos, como o fundador deste movimento filosófico.

O pai do Racionalismo, portanto, propôs que, para se iniciar a construção de um conhecimento baseado exclusivamente na Razão, há a necessidade de seguir o mesmo plano de um engenheiro que quer construir um alto edifício. Em primeiro lugar, o engenheiro deve limpar o terreno onde a obra será construída. Se houver um prédio antigo, já velho e fraco, este deverá ser derrubado para que um novo alicerce seja inserido em seu lugar.

Portanto, o filósofo também deve se desfazer das antigas teorias para começar a pensar as bases de um novo e forte tipo de conhecimento. Descartes concluiu que o filósofo racionalista deve se desfazer de todo o conhecimento baseado nas sensações e na experiência sensível. Deve se desfazer de tudo que for minimamente duvidoso, para que nem uma sombra de ilusão enfraqueça seu novo edifício que será a nova doutrina sobre o quê se pode de fato conhecer. Este importante pensador mostrou que, para se iniciar uma investigação rigorosa sobre o quê se pode conhecer, sobre os objetos, sobre o Ser, ou até mesmo sobre o espírito ou sobre Deus, é necessário primeiro se saber o como conhecer tais coisas. O Método está, portanto, para Descartes, intrinsecamente relacionado com o objeto do conhecimento e, por vezes, o método e o objeto confundem-se mutuamente.

O Método é o fazer filosófico por essência. O Método é o determinante da ação, do sujeito e do objeto. Um discurso sobre o Método é a tentativa de estabelecer o quê o sujeito pode conhecer, de que forma ele deve fazê-lo e até como este sujeito se vê inserido nesta investigação.

Descartes e a dúvida...

Neste estágio de nosso aprendizado em Filosofia passaremos a verificar alguns dos pensamentos que um pequeno grupo de filósofos produziu acerca, principalmente, dos temas sobre os quais nos dedicamos no momento anterior de nosso curso. Nem todos os filósofos que um dia já pensaram sobre estes temas serão trazidos à baila. Também, nem todos os temas que já discutimos serão novamente abordados; por outro lado, alguns como, por exemplo, o do Conhecimento, com o qual iniciamos esta nossa última etapa de investigação crítica, será apontado diversas vezes e de modos mais ou menos distintos por mais de um pensador. A ordem em que estes temas vão aparecer aqui obedece à ordem cronológica com que foram tratados pela história da filosofia; assim sendo, existem certos pressupostos históricos que não devem ser ignorados - a ordem em que as aulas acontecem é vital para a compreensão das mesmas.

Cada um dos pensadores que iremos destacar de agora em diante teve uma produção intelectual muitíssimo vasta. Muitos deles discutiram, de maneira global e bastante detalhada, todos os temas sobre os quais nós falaremos apenas de maneira superficial. Portanto, é mister não pensar que eles se restringiram ao que deles iremos mencionar. Trata-se apenas de um recorte, por demais modesto, dos principais pontos de suas vidas, não sob o ângulo das particularidades mundanas comuns a todos que vivem ou viveram na Terra, mas sob o ângulo do espanto filosófico com o qual cada um deles, de certa maneira, já se deparou.

O momento do espanto é aquele em que a dúvida exige um trabalho, um esforço incomum, no sentido da busca por uma satisfação intelectual que pode vir na forma de uma filosofia, de uma teoria científica, de uma música, de um quadro, enfim, de uma criação qualquer. Seja por quais vias forem que esta satisfação possa surgir, ela será necessariamente provisória como a própria vida o é. Então, nova-mente o espanto irá surgir com fôlego re-cobrado neste pensador, ou em um outro que apareça depois dele, exigindo mais uma vez um novo esforço intelectual e uma nova satisfação. Dúvida após dúvida, satisfação após satisfação, teoria após teoria, a humanidade se aproveita dos sofrimentos e das alegrias gerados por este contínuo movimento, de vai e vem, que é como a própria respiração do pensamento.

         Descartes e a Dúvida

René Descartes nasceu na França e viveu do ano de 1596 a 1650. Seu trabalho mais conhecido ganhou o nome de Discurso sobre o Método e nele percebemos sua grande preocupação com o conhecimento, mais precisamente com a maneira como o adquirimos e com os critérios que o tornam válido. Para Descartes, o Conhecimento só merece este nome, isto é, só é verdadeiro quando obedece a certos critérios de validação. Para entendermos o que seriam estes critérios de validação do conhecimento em Descartes, vamos analisar um outro de seus trabalhos, que ficou conhecido pelo nome de Meditações.

Descartes começa esta obra se colocando numa posição muito difícil. Toda a discussão que ele irá iniciar gira em torno da pergunta “Como podemos saber que realmente conhecemos aquilo que pensamos conhecer?”. Mas como ele chega a se perguntar isto? De que maneira esta dúvida surge para ele? Ela simplesmente aparece de um dia para o outro, empurrando-o a filosofar sobre o conhecimento? Vejamos. Descartes irá narrar um evento bastante singular de sua vida e que o levou a este tipo de questionamento.

Conta ele que, um certo dia, quando lia em uma poltrona diante da lareira de sua casa, ele adormeceu. Sonhou que se achava sentado numa poltrona exatamente como a que estava sentado ao adormecer, que estava vestido exata-mente como quando em vigília, que também lia o mesmo livro que antes estava lendo, que todo o cenário em volta dele era o mesmo e que a lareira também ardia como quando desperto. Ao acordar, percebeu que seu sonho tinha a viva-cidade e a riqueza de detalhes de quando ele estava de olhos abertos e consciente. De fato, ele só conseguiu perceber que se tratava de um sonho depois de acordar, tal era o realismo daquele sonho. A dúvida e o espanto, então, se abateram sobre ele, criando a seguinte pergunta: se o sonho poderia possuir uma tal vivacidade e riqueza em detalhes, idênticos ao da vida em vigília, como saber quando se está dormindo ou quando se está acordado? Em outras palavras, a sua dúvida era a respeito de como podemos saber o que seja isso que chamamos de realidade e, conseqüentemente, como podemos diferi-la do sonho e da fantasia.

Geralmente criamos uma distinção bastante radical entre realidade e fantasia. Nos baseando nesta distinção, afirmamos coisas que pensamos serem verdades, pois se fundamentam na realidade; e afirmamos coisas que pensamos serem falsidades ou quimeras pois, ao contrário das primeiras, se baseiam na fantasia ou na imaginação. Como a maioria de nós, Descartes também tinha esta distinção bem clara na sua cabeça até o momento em que este sonho o fez perceber que, talvez, essa certeza não esteja assim tão firme quanto pensamos. Ele percebeu que era possível que, em algum momento, poderia estar dormindo e acreditar que estava acordado ou vice-versa. Ele percebeu que o que separa a fantasia da realidade, que, na maioria das vezes, é a percepção consciente, pode, muitas vezes, ser colocada em dúvida e, assim, as próprias categorias de fantasia e de realidade podem deixar de existir.

Este é o momento clássico do espanto no conhecimento, quando já não temos mais certeza das coisas que antes considerávamos como certas. Mas este espanto pode ser considerado bom? Talvez sim, talvez não. Para os filósofos isto é muito bom, pois desperta a investigação crítica. Contudo, para as pessoas que estão interessadas em resultados mais práticos e imediatos, como, por exemplo, construir foguetes que coloquem satélites de comunicação em órbita da Terra, é uma enorme tolice e perda de tempo se propor este tipo de inquirição. Contudo, até o construtor de foguetes, mesmo sem o saber, está de acordo com algum tipo de concepção filosófica que, em algum momento do passado, surgiu de uma situação de espanto semelhante a de Descartes.

Descartes sabia que sua dúvida não era comum, que a maioria das pessoas não encontrava dificuldade nenhuma em diferir uma suposta realidade da fantasia comum dos sonhos. Porém, ele também sabia que uma argumentação deste tipo, baseada no testemunho popular, não tinha o rigor da análise filosófica. O conhecimento popular, também conhecido como Senso Comum, não costuma apresentar as demonstrações assim como a filosofia imagina que elas devam ser. Em geral, o senso comum fornece as explicações acerca da existência apontando para exemplos do presente ou do passado como, por exemplo, “A realidade é o meu cachorro, a minha árvore, a minha casa, o meu trabalho etc”. Ele estava interessado em outro tipo de explicação. Em uma que apresentasse uma argumentação baseada no uso exclusivo da Razão e não nas que se baseassem numa imensa lista de objetos e opiniões particulares. Ele sabia que estes objetos opiniões poderiam variar de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época e que, por isso, as explicações do senso comum eram particulares e não poderiam ter o poder de convencer a todos acerca do que fosse, ou deixasse de ser, a Realidade.

Ele estava interessado em uma explicação que, ao contrário, fosse válida para todos os seres humanos, na medida em que, em princípio, todos os seres humanos são dotados de Razão; que fosse Universal portanto. Mas mais do que isso, Descartes acreditava que uma explicação sobre a Realidade deveria ser necessária, isto é, que qualquer ser dotado da faculdade do raciocínio chegaria necessariamente às mesmas conclusões que ele se obedecesse a algumas regras simples de investigação, se obedecesse a um método.

A cultura se expressa na história...

Filosoficamente, a palavra “cultura” nos sugere duas interpretações bastante amplas. A primeira se deve à análise da evolução do espírito humano no decorrer da História. Isto é, se pode constatar que a aglutinação das pessoas, dando origem às sociedades, passa por modificações diversas no tempo e estas modificações apontam para um sentido, para uma direção histórica, que pode ser lida, interpretada e, algumas vezes, prevista. Assim, vê-se que o que antes eram formas de sociedade sem muitos vínculos que as sustentassem como tal, foram, de tempos em tempos, consolidando características particulares que as faziam diferir umas das outras.

Um determinado grupo pode possuir “marcas” próprias que não se confundem com as de outro grupo. Estas “marcas” se materializam de muitas maneiras: hábitos, crenças, trajes, idiomas, biótipos etc. Na medida em que estas marcas se enraízam no cotidiano das pessoas, de modo a se tornarem uma parte inseparável delas, então encontramos, neste grupo, uma identidade. De algum modo, todas as pessoas deste grupo podem ser confundidas segundo algum aspecto; dizemos, então, que elas estão inseridas numa determinada cultura. Mas esta imagem que se reflete nos hábitos, nas crenças, nos trajes etc, e que chamamos de identidade cultural não se congela no tempo, jamais deixa de mudar. A identidade cultural de um grupo não deixa de se transformar, adquirindo novos elementos e suprimindo outros.

A cultura, portanto, se expressa na história. Ela se estabelece na forma de nações, de religiões, de guerras, de filosofias, de línguas, de cidades, de modas etc. Neste primeiro sentido de Cultura, como análise histórica da peregrinação humana na Terra, existem duas linhas de pensamento filosófico que se opõem uma à outra e que merecem um breve comentário.

A primeira vê a Cultura como a progressiva manifestação do espírito humano na Terra no decorrer do tempo. Segundo esta concepção, há um sentido que aponta para um necessário avanço histórico do Espírito, do Ser. As diversas formas de manifestações culturais pelas quais os povos já viveram e morreram seriam como que etapas necessárias da trilha que o Espírito deve percorrer para evoluir. Assim, a cultura que possuímos hoje é uma expressão aperfeiçoada do espírito em relação à cultura que havia há dois séculos por exemplo. Ainda neste raciocínio, a cultura que supostamente possuiremos no futuro será uma expressão mais evoluída em relação à cultura que possuímos atualmente. Percebemos que esta concepção de cultura é muito popular e bastante propalada de diversas maneiras (Por exemplo, os votos e as canções de Ano Novo). Esta concepção nos faz criar um sentimento bastante íntimo de que vivemos, atualmente, em um mundo melhor do que o do passado, e que o futuro sempre nos guarda boas novas.

A segunda se opõe à primeira na medida em que vê a História como fruto do trabalho humano e não como a mera manifestação de um Espírito coletivo abstrato. Enquanto na primeira opção não há nenhuma escolha (isto é, somente um caminhar contínuo e progressivo no sentido da evolução, e o Homem e sua História são apenas uma expressão passiva deste caminhar), já na segunda a História é vista como o desenrolar dos diversos conflitos criados e resolvidos pelo próprio homem. Assim, temos dois pontos de vista bastante distintos: no primeiro, a história faz o Homem; no segundo, é o homem que faz a história; no primeiro temos uma cultura que deve ser apenas aceita, não nos cabendo qualquer poder de decisão sobre ela; no segundo ela é um produto imediato da ação, do trabalho e das diversas atividades humanas, que são responsáveis diretas pelo que acreditamos, comemos, vestimos, fazemos, enfim, pelo que somos.

A primeira concepção pode ser chamada Idealismo, pois se baseia puramente num movimento abstrato do conceito de Espírito. Já a segunda pode ser chamada de Materialismo (materialismo histórico), pois resume a história à série de atributos físicos que fazem com que o humano trabalhe no sentido da construção de sua Cultura. Logo, a Cultura possui um duplo aspecto: ela pode ser encarada como um Idealismo ou como um Materialismo. Ela é um Idealismo porque não encontramos no mundo nenhum objeto físico que chamamos pelo nome de Cultura, trata-se apenas de um conceito abstrato que fabricamos intelectualmente na tentativa de inserir o Homem num tipo de teoria a respeito de sua situação no planeta. Mas ela também é um Materialismo, na medida em que não vivemos apenas de conceitos, vivemos cercados de objetos e de ações, estes são atributos físicos de nossas vidas particulares e a base de qualquer conceito de cultura.

Mas ainda falta pensarmos um pouco na segunda interpretação da palavra “Cultura” apenas mencionada no início. Dissemos que, a partir do momento que o ser humano se reúne para viver em grupo, ele começa a dotar este grupo de características e marcas próprias que chamamos de identidade cultural. Estas marcas definem culturas particulares, distinções entre os grupos. No entanto, podemos reunir todos estes grupos sob a égide do mesmo signo e lhes conferir uma identidade universal: a de ser Humano. Assim, esta identidade global é a máxima manifestação do conceito de Cultura e não tem, absolutamente, nenhuma relação com a história, como a primeira interpretação que mencionamos. Podemos notar que falamos dos diversos povos, nações e tribos como membros da raça humana, ainda que estes povos, nações e tribos estejam muito distantes uns dos outros, seja geograficamente, seja historicamente. Há, portanto, uma idéia - ou hábitos - que faz dos elementos destes grupos distintos seres que possuem uma identidade cultural bastante complexa e rica, contudo suficientemente precisa para inseri-los dentro de um mesmo caudal cultural, dentro de uma mesma tribo global. É claro que existem os aspectos da biologia que faz da nossa espécie diferente das demais e vice-versa. No entanto, a característica que consolida o ser humano como um grupo cultural único é a habilidade de pensar em si mesmo como um ser religioso, racional, histórico, biológico, filosófico. Assim, resumidamente, o ser humano constrói e aceita sua cultura na medida mesma em que pensa e reflete sobre ela.

O que é a Verdade?

Quando chegamos a um acordo entre os nossos pensamentos e o que podemos constatar a respeito da realidade presente, seja pela lógica seja pela experiência sensível, então uma certa satisfação e alívio tomam o lugar do que podia ser, antes, uma dúvida imposta por uma contradição entre o que vemos e o que pensamos. Neste caso, dizemos que encontramos a Verdade. Isto nos leva à conclusão de que a Verdade pode ser considerada uma espécie de acordo entre um mundo externo e um mundo interno ao Sujeito, o conduzindo, necessariamente, a um conhecimento sobre si mesmo ou sobre algo outro.

Mas para algo ser verdadeiro, para algo ser Verdade, é necessário que o acordo seja aceito não só por mim, mas por todos aqueles que se dispuseram a realizar o mesmo trabalho, ou movimento, do pensamento para, por si mesmos, chegarem, possivelmente, ao mesmo resultado. Esta é a característica da universalidade que deve estar presente em tudo o que se atribua a qualidade de ser verdadeiro, ou a tudo o que se possa chamar de Verdade.

Toda Verdade deve ser, portanto, Universal. Em outras palavras, ela deve ser Absoluta e jamais relativa ao tempo, ao lugar ou a cada um de nós, coletiva ou individualmente. Para se comprovar a existência da Universalidade na Idéia, no pensamento ou no Ser, é necessário verificar se não há erros de julgamento que poderiam conduzir a uma falsa “Verdade”. Neste caso é permitido, e até aconselhável, a busca de possíveis outros acordos, de possíveis outras Verdades que sejam contrárias à primeira. Uma vez que não se encontre nada que a refute, então ela se solidifica ainda mais como verdadeira representação do Real, do Ser, da Existência em si mesma.

A Verdade, idealmente falando, é o fim último que almeja alcançar a Filosofia e a Ciência em geral. Ou seja, aqui ela se identifica com a correspondência mais perfeita que se possa encontrar entre o pensamento e a materialidade do mundo, entre a teoria e a prática, entre o Homem e seu espírito. A Verdade confere um sentido à própria existência, na medida em que a sua não- existência leva o espírito humano a uma grande desilusão com respeito às suas emoções mais intrínsecas. Como se a Verdade fosse a luz que todos desejam, o alimento sempre buscado, a força que move a ação e o pensamento.

A Verdade se mostra como objetivo em quase todos os campos do conhecimento prático e teórico humano. Na metafísica, a Verdade é o Ser, o Ente manifesto em sua pureza ideal. Na ética, a Verdade é a caridade, a honestidade, a bondade da alma que se identifica no outro e que pratica o Bem na conduta humana. Na lógica, a Verdade são as idéias devidamente articuladas em pensa-mentos precisos, sem falhas de raciocínio ou de interpretação, é ausência do erro teórico. Na ciência, a Verdade é o conhecimento pleno das leis naturais que correspondem a uma ordem imposta fisicamente ao mundo. Na religião, a Verdade é o encontro da Fé com o seu objeto de adoração, é a manifestação plena da divindade. Na política, a Verdade é o discurso que leva ao bem comum, à sociedade harmoniosa e perfeita.

Em filosofia, Verdade é o breve momento em que nossas dúvidas mais fundamentais desaparecem. Contudo este momento sempre é passageiro. Não que a Verdade seja provisória, é passageiro porque o olhar crítico da filosofia persegue, infinitamente, as inúmeras possibilidades de se espantar com o que se ignora, com o que se desconhece. A palavra “Filósofo” aponta para esta direção. Ela não quer dizer “aquele que conhece”, ela não quer dizer “sábio”. Ela quer dizer, apenas, aquele que gosta da companhia do conhecimento. Portanto, o Filósofo é aquele que persegue o conhecimento, persegue a Verdade que, uma vez alcançada, torna a se evadir dele perpetuamente.

A Filosofia busca uma resposta universal para os seus problemas, mas o que faz dela tão atraente para alguns, e tão assustadora para outros, é justamente o fato de, nela, não se poder afirmar definitivamente uma Verdade final. O que faz dela tão surpreendente é justamente a porta sempre aberta para a investigação, para se ter sempre o processo do conhecimento nos acompanhando lado a lado.

Mas, para entendermos realmente o significado filosófico de Verdade, devemos ter em mente os seguintes aspectos gerais da prática filosófica: 1º - tentar fazer uma distinção entre o que parece ser e o que efetivamente é; 2º - ter a Razão como parâmetro do pensamento; 3º - não se condicionar nem se levar por pensamentos prontos e acabados, como os dogmas e os preconceitos; 4º -obedecer aos critérios lógicos de clareza e precisão do discurso; 5º - ser capaz de expressar suas idéias e de colocá-las disponíveis para críticas; 6º - não possuir outros interesses senão o da busca pura da Verdade e do Conhecimento.

O que nos difere dos demais seres vivos...?

A razão é, dos atributos humanos, o mais importante. Talvez seja ela a característica que o coloque numa posição distinta da dos demais mamíferos e de outros seres vivos. Porém, quando perguntamos diretamente o que queremos dizer com a palavra “Razão”, é com certo embaraço que nos vemos diante de uma resposta pronta, quase sem significado, como esta que acabamos de o ferecer acima. Esta resposta é utilizada, no mais das vezes, para reafirmar a posição de domínio dos seres humanos em relação às outras espécies viventes. Contudo o domínio humano sobre o restante do planeta não se identifica automaticamente com a Razão em sentido estrito. Talvez, então, seja melhor evitar, por enquanto, responder à pergunta “O que é Razão?” com este tipo de resposta já um tanto desgastada.

Muitas vezes usamos “Razão” num sentido menos ambicioso, como sinônimo de causa ou motivo, como quando perguntamos: Qual foi a razão para o assassinato? Mas, também, utilizamos esta palavra para designar um estado de sanidade mental quando, por exemplo, dizemos “fulano ou sicrano está de posse de sua Razão”. Ou quando queremos concordar com alguém a respeito de alguma coisa, então dizemos: “Você está com a razão”, como que querendo dizer que esta pessoa está dizendo a verdade, que ela está certa ou mesmo que se mostra sensata acerca de um determinado assunto. Há aqueles que opõem a Razão às emoções, dividindo o Sujeito em duas metades: uma que detém a capacidade de julgar segundo regras estabelecidas previamente e outra que obedece a impulsos momentâneos de origem fisiológica ou emocional.

A Razão, em um sentido mais coloquial, portanto, pode ser ora algo que conduz a decisões e atitudes racionais, ora um controle sobre as emoções, ora a sapiência ou a sensatez. Nestes significados mais fracos, Razão é algo imaterial, habitando o espírito de cada um de maneira positiva. Em todos eles percebemos que a pessoa que se vê sem a Razão está numa posição inferior, desprivilegiada, em contraste com aquela que está de posse da Razão, vendo-se numa posição superior à primeira. Seja verdadeira ou não, a idéia que temos de Razão é esta, de algo que nos coloca em situação vantajosa ou positiva.

Talvez o significado mais difundido dentro da filosofia seja o da Razão como capacidade de coordenar os pensamentos, condicionando-os a regras precisas, com o fim de buscar a realidade do mundo por meio de expressões diversas sobre ele. Razão, neste sentido mais filosófico, aproxima-se de Entendimento. Este, por sua vez, marca o estado único do Sujeito enquanto articulador do pensamento em oposição à sensibilidade pura. Isto é, o Entendimento está no âmbito do exclusivamente intelectual, não podendo ser confundido com as habilidades físico-motoras da percepção e da ação. Seu objeto de trabalho são unicamente as Idéias.

Assim, por exemplo, o indivíduo de posse do Entendimento é capaz de divisar sua própria identidade por meio da percepção do outro. O que ele Sabe ser ele mesmo parte do princípio do que sua percepção lhe como aponta um objeto (o Outro) que ele reconhece como uma idéia negativa de si mesmo. Tudo o que o Entendimento faz é acondicionar e articular idéias para criar juízos sobre o mundo. Juízos complexos de identidade pessoal tais como: “Eu sou eu, porque não me reconheço naquilo que chamo de outro.” Ou juízos simples, do tipo “Esta meia é azul.” São construídos no processo do conhecimento, ao mesmo tempo em que são o próprio conhecimento manifesto. Na medida em que os juízos são articulados entre si aumenta o grau de complexidade, ao ponto de se poder criar teorias inteiras acerca do “Eu”, do “Outro”, ou de “Meias azuis”.

Estas teorias se reúnem em campos especializados do conhecimento humano, como são os campos da filosofia: a Estética, a Ética, a Epistemologia, a História da Filosofia, a Metafísica, a Lógica e outras tantas. Visto isto, talvez já nos sintamos mais à vontade para falar da Razão como uma faculdade exclusivamente humana. Mas não como algo que coloque o homem numa posição supostamente superior ao restante dos animais, mas sim como algo que possibilita uma produção intelectual única. É a Razão, na forma do Entendimento, que possibilita ao ser humano construir, planejar, desenvolver, verificar, prever, resolver e comunicar.

Todas estas possibilidades devem-se, cada uma a seu modo, à capacidade de abstrair. Ou seja, a capacidade de abstrair permite que as operações sejam todas realizadas no âmbito do entendimento puro. Assim, é possível criar modelos que são passíveis de fácil manipulação. O ato de abstrair é o ato de desmaterializar, é o ato de descorporificar o objeto ou o processo, transformando-os em idéias, em noções, em conceitos. Por estas vias chegamos ao ponto em que não podemos mais distinguir o processo do conhecimento efetuado pelo entendimento, por intermédio da abstração, com o próprio entendimento puro abstrato.

Este movimento é o Entendimento voltando-se sobre si mesmo, atingindo o grau máximo da desmaterialização do conhecimento. Quando o conhecimento já não necessita de outro objeto de estudo senão a si próprio. Quando a Razão se basta a si mesma.

A Busca Pelo Conhecimento do Belo...

A Estética é tida, atualmente, como a busca pelo conhecimento do Belo, da Beleza. Em seu sentido mais geral, “Estética” se refere a tudo o que aparece ou, em outras palavras, a tudo o que pode ser percebido por meio da percepção sensorial. Em filosofia, Estética é um campo de estudo que investiga as possibilidades teóricas do mundo sensorial enquanto objeto de manipulação e criação artística. A Estética faz uso do ideal de beleza (o Belo), assim como as artes em geral, mas, ao contrário delas, trata este ideal como um objeto de estudo e não como um fim a ser perseguido e alcançado.

O conceito do Belo não se confunde com as suas manifestações particulares, porém estas trazem um pouco dele, sem o qual, não serviriam para a admiração. Esta admiração é um estado de contemplação sensível que traz consigo algo novo, algo que está para além do mero olhar, que está para além do mero ‘ver comum’ do dia-a-dia. Este algo é justamente a criatividade do artista, unida à sua sensibilidade, que é capaz de traduzir a realidade de uma maneira absolutamente atraente, de maneira a se poder perceber nesta realidade um estado diferente das coisas.

Este novo estado de coisas, que ou já se encontrava na realidade de maneira escondida ou que foi inserido na obra pelo gênio artístico, comunica ao observa-dor uma mensagem, muitas vezes, incompreensível em termos intelectuais, mas absolutamente coerente em termos estéticos. Diante de um quadro como a Monalisa, de Leonardo Da Vinci, por exemplo, percebemos uma situação bastante banal, em que uma mulher se apóia sobre o braço e lança, àquele que a observa, um sorriso singelo e um tanto libidinoso. Aparentemente nada há além de cores e formas conhecidas, contudo nos sentimos tentados a continuar observando o quadro para buscar algo que está, a um só tempo, visível e invisível, e que é justamente o Belo.

Assim, nas artes está a máxima manifestação da contradição estética: utilizam o concreto e o material para representar um conceito, uma Idéia. Porém esta idéia, por sua essência mesma, não pertence ao mundo sensorial. Na Monalisa, a beleza se manifesta no rosto, na pose e no suave movimento de um sorriso estático. Mas todos estes elementos unidos não podem ser identificados com a idéia geral de beleza. Estes elementos somente materializam um exemplo particular de beleza, assim como outras tantas obras de arte. Quem pode dizer, então, que a beleza já estava no modelo que serviu de inspiração para o quadro? Ou que estava já no gênio criador do artista? Ou, ainda, que se encontra, somente, nos olhos de alguns que são capazes de vê-la enquanto outros não podem ter este deleite?

Sem nos perdermos em conjecturas, podemos resolver esta questão transferindo a noção do Belo do objeto para o sujeito: ele passa de um Ideal a ser perseguido para uma vivência ou experiência estética. Ao invés de sairmos em busca do Belo em si mesmo, passamos a fabricar o Belo, a produzi-lo por assim dizer. Notamos que o ser humano tem necessidade de contemplar e admirar suas obras, mas esta contemplação e admiração podem recair sobre um processo e não necessariamente sobre um objeto.

A vivência estética é esta contemplação e admiração que ocorrem durante o desenrolar de um processo que se dá no âmbito do humano. Portanto o Belo ocorre sem que, necessariamente, um exemplo concreto particular dele esteja presente. O ser humano pode se admirar do seu trabalho futuro, de sua vida presente, de suas idéias passadas, e isto já traz uma contribuição para a idéia do Belo enquanto processo estético. A beleza pode estar presente em todas estas relações abstratas que o homem mantém, no tempo, com o mundo, sem necessariamente, estar presente um objeto particular que corporifique estas relações e a beleza que possa estar inserida nelas.

Há três pontos de vista a serem considerados quando o assunto é Estética: o primeiro é o do artista, cujo trabalho pode possuir vários tipos de compromisso como, por exemplo, um compromisso social, um compromisso religioso, um compromisso educativo, um compromisso informativo etc - todos eles, no entanto, não escapam do compromisso com o Belo. Mas há, também, o ponto de vista daquele que contempla a obra de arte, neste caso o maior compromisso é com a admiração estética, isto é, com a busca daquele valor universal de beleza que não se reduz à obra, mas que pode estar inserido nela. E o terceiro ponto de vista é o do filósofo, que tenta se colocar fora destes dois pontos de vista anteriores para traçar uma análise racional do movimento artístico.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Conhecimento: Acúmulo de Conhecimentos?

O Conhecimento é encarado, pela maioria das pessoas, como um acúmulo de informações diversas que se pode ter sobre assuntos variados. Criou-se um raciocínio do tipo: quanto mais informação se puder acumular, por exemplo

sobre futebol, então mais sobre este esporte em particular se conhece. Mas notamos que o conceito de conhecimento pode ser um pouco mais complexo que isso. Por vezes achamos que o conhecimento não precisa depender tanto assim de uma enorme lista de informações, mas do uso que eu possa fazer destas informações no mundo prático. Então, vejamos: posso saber recitar o nome inteiro de todos os jogadores (titulares e reservas) da primeira seleção de futebol da Arábia Saudita. Contudo ninguém nunca me pediu para fazê-lo, de modo que não sei muito bem o que fazer com esta informação. Neste caso, a informação existe, mas como sua utilidade é um tanto duvidosa, há apenas parte do conhecimento.

O que é o conhecimento então? O campo filosófico que tenta responder esta pergunta chama-se Teoria do Conhecimento; este já forneceu várias respostas muito bem elaboradas durante toda a sua história, que remonta aos antigos gregos. Para Platão, como já tivemos a oportunidade de estudar, o conhecimento verdadeiro era se aproximar dos universais, isto é, das Idéias (os conceitos) perenes, imutáveis, perfeitos e necessários. Para Aristóteles, conhecimento era a manifestação da própria consciência, que se encontra em pensamentos e que se identifica como Ser em ato e em potência (como sujeito e como objeto do conhecimento). Para Heráclito, o conhecimento era a consciência do movimento contínuo e eterno do cosmos, o qual se reflete nos movimentos particulares de todas as coisas.

Platão e Aristóteles refletem duas vertentes diferentes sobre o conhecimento e que se manifestaram, com certas variações, repetidamente em muitos outros pensadores posteriores a eles. Platão vê o conhecimento como algo a ser buscado e adquirido, como objetos supra-sensíveis que existem de maneira independente dos seres humanos e cujas qualidades existem neles mesmos. Estes objetos não pertencem a este mundo, mas a um outro mais perfeito, mais real, mais permanente, que seria idêntico àquilo que se entenderia por Verdade no sentido mais puro possível.

Já Aristóteles não dissocia o conhecimento da vida fenomenal, do ato de buscar o conhecimento que é, também, o ato de conhecer. Para Aristóteles, o mundo é uma manifestação do conhecimento e este pode ser desvendado pelo ato da interação dinâmica com este mundo, transformando potência em ato. Ao contrário de Platão, o conhecimento para Aristóteles não existe em si mesmo, mas somente com a intervenção do sujeito do conhecimento que realiza o ato de conhecer por meio de suas diversas possibilidades.

O conhecimento ainda pode ser considerado uma união de diversas capacidades humanas interligadas e voltadas para um determinado fim, que pode ser prático ou teórico. Nesse sentido, encontramos os órgãos dos sentidos, a percepção sensorial, recebendo ou captando informações do meio circundante; a memória acumulando as informações que são recebidas pela percepção; o entendimento trabalhando com as possibilidades de combinação entre estas informações e, por fim, a atividade motora coordenando os músculos, os ossos e os tendões no sentido da ação. Supervisionando cada um destes momentos está a consciência, atenta a cada situação, para interferir oportunamente sobre eles. Unidas, estas habilidades projetam o ser humano por meio dos tempos na direção da interação e na produção do conhecimento.

Então o conhecimento em parte se constrói e, em parte, é alcançado. De uma forma ou de outra, o conhecimento é uma disposição do espírito humano, que tenta apreender o Real. É a ação mental, cultural, religiosa, social ou filosófica de explicar aquilo que nos cerca, de manter uma teoria sobre a existência, sobre o mundo e sobre como agir nele. A Teoria do conhecimento fabrica alguns parâmetros para se chegar a um acordo sobre quando, como e por que conhecemos. Basicamente, a Teoria do conhecimento, que é a atitude filosófica sobre ele, descreve as possibilidades filosóficas do verdadeiro conhecimento.

Se tomarmos um exemplo de possibilidade de verdadeiro conhecimento, teremos, no caso do Realismo, que identificar o objeto do conhecimento com a teoria sobre ele, de maneira que, comparando-se o pensado com aquilo de que se pensa (em outras palavras, a realidade com a teoria sobre ela) e verificando a semelhança entre um e outro, então tanto melhor será o conhecimento quanto mais semelhante àquilo que se quer conhecer ele for. Mas temos, também, o exemplo do Empirismo, cujo único critério para o verdadeiro conhecimento é, tão somente, o bom uso das experiências que se pode realizar sobre o mundo. Além do realismo e do empirismo, há a corrente racionalista. Esta vislumbra apenas as possibilidades lógicas como método de análise das afirmações sobre o mundo. No racionalismo, a lógica é o único critério confiável para se poder dizer se há ou não conhecimento verdadeiro sobre um determinado assunto.

O conhecimento sempre manterá uma ligação com a idéia de verdade e isto independe da escola filosófica que discursa sobre ele. A verdade é, assim, o objetivo final de qualquer investigação sobre o mundo e, para entender o que seja o conhecimento, teremos que levar em conta o ideal de Verdade ao qual a Teoria acerca do conhecimento faz referência. Se a Verdade for tudo aquilo

sobre o que o Sujeito for capaz de pensar, então o conhecimento será o seu próprio pensamento. Se a Verdade for uma Essência, uma Idéia, então o conhecimento será a obtenção dela. Se a Verdade for a intervenção humana no mundo, então o conhecimento será qualquer ação que se puder executar sobre ele. Se a Verdade for um ato de Fé, então o conhecimento será tudo aquilo em que se puder acreditar. Se a Verdade for somente um produto do discurso, então o conhecimento será o simples ato de convencer alguém sobre a sua existência.

1- Ao que tudo indica, o Conhecimento, no sentido filosófico, não é apenas o acúmulo de informações. Também não se trata somente da utilidade destas informações. O conhecimento não é apenas memória, ou apenas percepção, ou apenas ação. O conhecimento, muitas vezes, é definido como a união de todas estas habilidades direcionadas para uma determinada finalidade. Mas qual seria esta finalidade? Explique.
2- Você possui critérios definidos para se certificar de que conhece algo? Por acaso eles coincidem com os do Realismo, ou os do Empirismo, ou os do Racionalismo? Justifique sua resposta.

Comportamento Humano na Ótica Filosófica...

A filosofia ainda pode tratar do comportamento humano numa tentativa de compreendê-lo e, às vezes, de direcioná-lo. Também chamada de filosofia prática ou de filosofia moral, porque lida com os fatos morais ligados ao comportamento humano, a Ética é um dos campos de investigação mais vastos em toda a filosofia. Desde os antigos gregos até os dias de hoje, a Ética tem sido estudada com um vigor que em momento algum perdeu o fôlego, ao contrário de tantos outros ramos da filosofia. Podemos conjeiturar a este respeito dizendo que interessa muito ao ser humano conhecer as regras do convívio social harmonioso.

Por vezes é usado o termo “Moral” no mesmo sentido do de “Ética”, no entanto cabe aqui uma pequena distinção entre estes termos e que pode ser de certa importância. Entendemos por Moral ou por Moralidade um certo conjunto de afirmações, ou de convenções, ou mesmo de regras, estabelecidos de comum acordo pelos membros de uma comunidade, com o fim de preservar certos hábitos ou costumes que lhes são inerentes e, também, de não permitir a fácil assimilação de comportamentos considerados danosos para esta comunidade. Neste sentido, Moral ou Moralidade pode ser definida como uma ligação explícita ou implícita entre um grupo de pessoas, lhes conferindo uma identidade por meio da consonância de gostos, hábitos e comportamentos.

Por sua vez, Ética, em sentido estrito como filosofia prática ou filosofia moral, é o discurso crítico realizado sobre a Moral. A Ética aparece quando a filosofia volta seu olhar investigativo para esta consonância de hábitos, gostos e comportamentos, tentando avaliar, julgar e promover uma certa ordem sobre eles. Se nos utilizarmos de um paralelismo, podemos dizer que, assim como a filosofia da ciência não se confunde com a Ciência, também a Ética não se confunde com a Moral. A Moral é um estado comportamental, consolidado pelo tempo, e que não precisa aparecer na forma de leis escritas, mas pode estar subentendida por todos do grupo numa espécie de consciência moral. A Ética quer investigar, entender e discursar sobre as origens e a importância deste estado moral.

Na medida em que o homem se surpreende vivendo em grupo, são assumidas certas regras de comportamento para manter a coesão desse grupo. Estas regras limitam as liberdades individuais para garantir a força desse grupo em diversas situações de risco e ameaça. Temos um exemplo bastante pertinente da força de coesão moral das regras nas Tábuas dos Dez Mandamentos. Estas Leis Divinas, recebidas diretamente de Deus por Moisés, consolidaram as bases morais do povo hebreu por milhares de anos. Estas Leis definiram que ações eram permitidas por meio daquelas que eram proibidas, deixando naqueles que as respeitavam a sensação de ciência sobre o certo e o errado, sobre o crime e o castigo, sobre o pecado e a punição.

Basicamente é este o fim de qualquer estado moral, indicar aos seus membros o caminho do certo e do errado, para que estes optem pela primeira opção e descartem a segunda como alternativa de vida. Entrementes, como cada grupo possui peculiaridades próprias de formação e de existência, possuindo hábitos e comportamentos distintos entre si, este certo e errado irá variar de grupo para grupo.

Em um momento inicial da história humana, os grupos sociais se mantinham coesos pela existência de um poder divino. Isto é, assim como os eventos da natureza possuíam uma origem divina, as leis das sociedades também deveriam possuir uma fonte divina. As sociedades portadoras de tais Leis se tornavam herdeiras dos hábitos de conduta dos deuses e, portanto, se tornavam os escolhidos para partilharem de um lugar perto deles. As Leis, como os Dez Mandamentos, vinham diretamente de Deus e os seres humanos se viam impingidos a escolher entre o bem e o mal, que eram as manifestações e os resultados das ações certas ou erradas. Na maioria das vezes, a escolha errada distanciaria os homens de seu criador, enquanto as acertadas os aproximariam dele.

Posteriormente vemos estas Leis se desvincularem das mãos divinas e se tornarem cada vez mais pertencentes ao campo do estritamente humano. Vemos surgirem as leis cíveis, que regulamentam o comportamento humano da mesma forma que as leis divinas, apontando o certo e o errado (o bem e o mal), porém sem a conotação intrínseca de pecado das leis divinas. A criação dessas leis, assim como as sanções para as faltas cometidas, ficam a cargo dos próprios homens. É o homem apontando o caminho do bem moral, social e legal para si mesmo. Contudo, as Leis divinas não deixaram de existir por causa disto e parecem conviver em harmonia com as leis dos homens. A Ética se encarrega, então, de traçar algum paralelo racional entre estes dois âmbitos de manifestação da justiça.

A justiça, em geral, se manifesta pela execução de julgamentos. Resumida-mente, os julgamentos são enunciações de juízos acerca de atitudes e comportamentos exclusivamente humanos. Estes juízos podem ser aprobatórios ou re-probatórios e se referem aos comportamentos considerados bons ou maus respectivamente. A todo instante de nossas vidas enunciamos juízos, realizamos julgamentos, aprovando ou reprovando os comportamentos e as atitudes de nossos próximos. Assim, direcionamos a nossa própria conduta nos baseando em

exemplos positivos ou negativos que os outros nos fornecem. Deste modo, a sociedade obtém parâmetros para a busca incessante de um ideal de perfeição que só pode ser encontrado nas boas ações, nas ações corretas, naquelas em que o ser humano melhor manifesta os seus diversos potenciais.

1- Quando dizemos que alguém agiu corretamente e que, por isso, é uma pessoa de bom caráter, estamos realizando um julgamento moral acerca de suas ações. ter bom caráter, ou agir corretamente, no entanto, variam de grupo para grupo. Você está de acordo com a afirmação de que é muito difícil realizar um julgamento moral quando se desconhece as regras e os hábitos de um determinado grupo específico? Explique.
2- Os populares “preconceitos” podem se enquadrar em equívocos de julgamento moral? Explique.
3- Em sua opinião, como definir o Bem e o Mal sem se utilizar de exemplos?
4- Será que seria possível, para uma sociedade qualquer, atingir o ideal de perfeição moral tomando suas próprias ações como parâmetros? Explique.
5- Atualmente, fala-se muito em ética na política. Faça uma avaliação das ações dos políticos brasileiros e explique se estão ou não sendo éticos. Dê exemplos concretos.

domingo, 23 de maio de 2010

Instrumento Máximo de Expressão do Pensamento...

A Lógica é, em filosofia ou em qualquer outro campo do conhecimento humano que tem por base o discurso racional, o instrumento máximo de estruturação, articulação e expressão do pensamento. Enquanto estruturadora do pensamento, a Lógica classifica os conceitos e as idéias por meio de uma hierarquia criada de modo a compreender os efeitos e a abrangência que esses conceitos e idéias possam ter entre si. Podemos encontrar dentro da lógica termos como hipóteses, argumentos, teoremas, axiomas, proposições, enunciados, premissas, conclusões etc. Cada um desses nomes marca uma “posição” na qual a idéia poderá ser colocada de maneira provisória ou permanente. Na medida em que se cria uma classificação, uma ordenação das idéias, então a lógica pode começar a trabalhar com elas. Em geral, ela possui regras precisas para que os conceitos mudem de posição dentro daquilo que se passou a chamar raciocínio lógico. Por exemplo, partindo-se de uma hipótese, que é um enunciado sem compromisso com a Verdade, pode-se efetuar algumas operações lógicas, previamente elaboradas, e obter uma conclusão que é uma afirmação que falsifica ou verifica aquele enunciado que antes era uma mera hipótese. Assim, por meio de uma articulação lógico-racional do pensamento, podemos obter diversos enunciados que possam ou não estabelecer, por meio de demonstrações, um compromisso com a Verdade.

Uma vez organizada uma série qualquer de idéias, classificando-as segundo os tipos e categorias em que podem se enquadrar, e uma vez efetuada as operações que permitem obter sentenças (verdadeiras ou falsas) a respeito dessas idéias, só então podemos partir para uma tentativa de expressar estas sentenças de modo claro e compreensível. Tanto mais claras e compreensíveis serão transmitidas estas sentenças quanto menos dúvidas elas gerarem a respeito daquilo que significam, a respeito daquilo que expressam os seus conteúdos. Tentando alcançar um ideal de clareza e precisão, os lógicos criaram uma linguagem própria, com símbolos próprios, para, assim, evitar as falhas comuns de comunicação da linguagem ordinária.

Disto tudo podemos concluir que a Lógica não trata diretamente do mundo e de seus objetos considerados em si mesmos. Mas somente dos pensamentos que podemos ter a respeito do mundo e de seus objetos. No entanto, a Lógica não encara os pensamentos como o faz, por exemplo, a psicologia: como um conteúdo mental presente e subjetivo a cada sujeito. A lógica encara os pensa-mentos como possibilidades formais e instrumentais do conhecimento. Em outras palavras, a lógica vê os pensamentos como ferramentas capazes de desvendar alguns segredos sobre as capacidades humanas de conhecer os próprios pensamentos acerca do mundo racional. Neste sentido, a lógica é reflexiva, ou seja, um ato mental que estuda as possibilidades formais da própria lógica.

Mas não podemos dizer que a Lógica é a encarregada de estabelecer os limites do conhecimento humano. Ainda que sua função se aproxime muito da de uma teoria do conhecimento, ela apenas estabelece os limites para o pensar teórico (para a pura articulação entre os conceitos), e para o pensar prático (para o estabelecimento de critérios e convenções a respeito de classificações e comunicações dos pensamentos). Já uma teoria do conhecimento pode ir muito além. Uma teoria do conhecimento pode manejar idéias sem necessariamente encará-las, apenas, como meras formas ou instrumentos da Razão, mas, também, como Entes e Fenômenos, que são categorias metafísicas. A Lógica não chega a este ponto.

A Lógica também não pode ser confundida com nenhum tipo de ciência natural. Ainda que se preste, em alguns momentos, como importante ferramenta científica, ela não trata dos eventos naturais. Ela apenas regula as diversas maneiras possíveis de elaborar teorias compreensíveis, racionais e conclusivas a respeito desses eventos. Por exemplo, a Lógica não é capaz de explicar o que é a chuva, ela não se presta a esse fim. A Lógica contribui para a compreensão deste fenômeno meteorológico, conhecido pelo nome de chuva, apenas impondo aos cientistas fronteiras, limites de como raciocinar a respeito dele e, posteriormente, permitir uma explicação em termos convencionados por estes cientistas. Para simplificar, podemos dizer que a Lógica não permite conhecer a chuva, permite apenas conhecer o discurso sobre a chuva.

Além da ciência, a Lógica também alcança a nossa vida diária e não raro escutamos alguém falar “É lógico que isto, ou é lógico que aquilo outro.” Neste sentido corriqueiro e não filosófico da palavra, observamos que está sendo realizada uma tentativa de convencimento do interlocutor acerca da obviedade de uma dada situação. Neste caso, podemos facilmente substituir a palavra “lógico” pela palavra “óbvio”, sem maiores prejuízos para a informação. Mas não podemos substituir a palavra “óbvio” por “lógico” na mesma medida. A palavra “lógica” possui um significado muito mais rico que “óbvio”.

É importante notar, no entanto, que o uso da palavra “lógico” no lugar de “óbvio” se dá, principalmente, pela aparente força de persuasão que a primeira aparenta ter mais que a segunda. Notamos, portanto, a relação intrínseca que a Lógica, no sentido estrito, almeja ter com a idéia de Verdade e que contamina, por assim dizer, o sentido lato ou vulgar da palavra.

1- Raciocinar logicamente é uma tarefa bastante difícil. Em geral apostamos em nossas crenças e opiniões acerca da superficialidade do mundo para nos convencermos, e a outros, da realidade que nos rodeia. No entanto, esta prática comum do dia-a-dia muitas vezes nos coloca em confrontos com crenças e opiniões que são diferentes das nossas. Diga o quão lógico e racional você é, apontando as formas que você costuma empregar para resolver estas divergências.
2- Os argumentos são artifícios lógicos empregados para mostrar que certas afirmações se aproximam mais da verdade ou da falsidade. Mas qual seria a finalidade de se querer mostrar este tipo de coisa? Explique.
3- O que a Lógica tem a ver com as aulas de dissertação que você está tendo na disciplina de Língua Portuguesa?

Filosofia além da física...

Quando alguém nos faz uma pergunta sobre o que seria a Realidade, imediatamente apontamos para uma série de objetos no mundo que imaginamos serem elementos dessa Realidade e exemplos convincentes sobre o que acreditamos ser mais fundamental para compreendê-la. Então dizemos: “Ora, a realidade é tudo o que sinto e percebo, é a cadeira, a mesa, o professor, a lousa etc”. Mas, se a pessoa que nos faz tal pergunta é um filósofo Metafísico, é muito provável que ele não se sinta convencido de que a Realidade possa ser resumida neste tipo de resposta. É bem provável que este filósofo queira saber mais. Ele irá

querer saber o que faz de cada coisa aquilo que ela é, não pela função ou lugar que ocupam enquanto objetos materiais, mas pela idéia ou conceito essenciais que podemos obter deles.

Assim, Metafísica, em grego, quer dizer, literalmente, “aquilo que está para além da física”, ou seja, “aquilo que é considerado em si mesmo, em sua essência, independentemente das contingências do mundo material”. Um dos exemplos mais clássicos de uma filosofia metafísica é encontrado nas teorias platônicas acerca das Idéias. Como já vimos anteriormente, Platão acreditava que o mundo percebido pelos sentidos é um mundo inconstante, corruptível, passageiro, porque está repleto de cópias dos verdadeiros objetos que se encontram em um mundo supra terreno, o Mundo Inteligível. Nessa região, que só é alcançada pelo olho da Razão (ou da Alma), habitavam as Idéias que são os Originais de todos os objetos encontrados na Terra.

Essas Idéias (formas) platônicas, por serem essência (aquilo que é por si mesmo, ou seja, independente de qualquer outra coisa), possuem a característica

da imutabilidade. Jamais se corrompem, mudam de forma ou deixam de ser algo para se transformar em um outro. Para Platão, alcançar este mundo onde as Idéias Originais habitavam era estar diante da manifestação máxima da Verdade. Para os gregos deste período, Verdade possuía um sentido bastante preciso, qual seja: Aquilo que existe; aquilo que é e não pode deixar de ser; aquilo que está presente ou aquilo que nos cerca. Por este motivo, Platão acreditava que os objetos físicos não podiam corresponder a exemplos da Verdade, justamente porque mudavam de forma com o passar do tempo, eram transitórios, corruptíveis, limitados, imperfeitos. A única conclusão a que ele poderia chegar era a de que estes objetos não existiam de fato, que eram uma ilusão enganosa, que não passavam de simulações daqueles que de fato existiam, que eram perfeitos, eternos, originais, e que deveriam estar para além do alcance dos nossos sentidos.

Para além da física, para além dos nossos sentidos, para além do tempo e do espaço, para além dos corpos e/ou dos objetos deste mundo. Este é o sentido puro de Metafísica, um campo filosófico de conhecimento dedicado a sistematizar as idéias e teorias sobre aquilo que subjaz a matéria, ou seja, sobre aquilo que causa ou provoca a matéria, mas que não se identifica com ela. Para os filósofos metafísicos, como era o caso de Platão, as essências causam o mundo físico, ainda que estejam irremediavelmente separadas dele e de nós, seres humanos. Para estes filósofos, a única maneira de restabelecer esta ligação com a essência perene das coisas seria por meio da filosofia que, com seu discurso e método racional de investigação, poderia mostrar o engano em se prender às aparências do mundo terreno.

Também podemos identificar a Metafísica, fora do campo da filosofia, na investigação teológica que tenta encontrar a causa primeira do mundo, sua essência, nas formas divinas. Neste caso específico, a Metafísica também pode se identificar com uma explicação de cunho religioso ou, até mesmo, supersticioso. A partir das teorias mecanicistas e deterministas sobre o mundo, muito da tradição metafísica, inclusive a teológica e religiosa, começou a ser colocada em segundo plano. Isto aconteceu porque as explicações baseadas em causas que habitavam um mundo supra-sensível deixaram de ser convincentes depois de filósofos como Hume e Kant. Isto é, as causas dos objetos e dos movimentos desses objetos tinham que ser encontradas neles mesmos, e não em algo que estava para além deles.

A metafísica se divide em dois momentos cronológicos na história da filosofia. No primeiro, se buscava o Ente, o Ser, a essência das coisas, nas suas possibilidades incorpóreas, de maneira independente da existência humana. Assim, neste primeiro momento ou sentido da Metafísica, as coisas e suas possibilidades de existência independem da vontade humana de conhecê-las. No exemplo tirado da filosofia de Platão, o Mundo Inteligível existiria independentemente do desejo humano de conhecê-lo ou de negá-lo. Já no segundo momento ou sentido metafísico, o sujeito do conhecimento se põe entre o objeto do conhecimento e sua essência. Isto é, a essência das coisas irá depender da capacidade cognitiva humana, ou seja, de uma habilidade do conhecimento. No primeiro caso, a Verdade independe de nossos gostos, desejos ou, mesmo, de nossa existência. Já no segundo caso, esta Verdade Essencial não tem razão de ser sem que haja alguém que a procure, que se interesse por ela, e que realize o movimento mental de descobri-la/inventá-la.

1- A metafísica filosófica se distingue da teológica por se apoiar na razão, na busca da essência, enquanto esta última se apoia nas formas divinas de explicação por meio da Fé. No entanto, podemos facilmente confundi-las por ambas lidarem com o que não é aparente, com o que não é visível, com um substrato imaterial e último de tudo. A ciência, por outro lado, tenta evitar qualquer

explicação metafísica; para tanto, apoia-se nas experiências, no mecanicismo e no determinismo quando quer compreender um objeto, ou um fenômeno. Por este motivo, as ciências são sempre, em algum grau, materialistas. Porém, em ciência, muitas vezes, escutamos falar de situações como forças, movimentos e objetos de maneira geral, sem qualquer apego a exemplos materiais concretos. Será que podemos concluir que a Ciência, ainda que não queira ser tachada assim, possua algum traço ou herança metafísica, já que ela também tenta encontrar as causas e as explicações finais e verdadeiras para tudo o que existe de fato? Explique.

2- Em sua vida cotidiana, o que há de metafísico? Faça um breve comentário.

Perseguindo um Ideal...

A palavra portuguesa “Arte” tem sua origem na palavra latina “Ars”, que possui um muito amplo leque significativo. No entanto, os significados mais comuns da palavra foram aqueles também trazidos para a língua portuguesa e que podem ser o de Fabricação, de Manufatura, de Técnica, de Habilidade ou de Sabedoria. Todas estas palavras são usadas para denotar duas capacidades exclusivamente humanas que nos são bem comuns: a primeira é a de poder criar algo útil e/ou belo que antes não existia; e a segunda é a de deter o conhecimento necessário para reinventar ou reproduzir este algo.

A partir disto, a Arte ganha duas finalidades básicas bastante claras. Uma dessas finalidades é a que está ligada ao desejo humano de manipular e de construir. Para tanto, o homem se vê em situações em que cria e constrói diversos engenhos, máquinas, utensílios ferramentas, para amenizar o esforço de seu trabalho e acelerar o passo de suas invenções. Esta primeira finalidade da Arte está relacionada com a Técnica ou com a habilidade de fabricar e manipular engenhos, ou melhor, com a utilidade que estes engenhos e conhecimentos diversos possam ter. A finalidade da Arte é, então, satisfazer o desejo humano de construir e dar forma ao mundo. Muitas de nossas ciências, como a física, a química, a medicina, a engenharia, a agronomia etc, se põem a serviço deste primeiro sentido e finalidade de Arte.

A Segunda finalidade de Arte, que está estreitamente ligada à filosofia, diz respeito à tentativa humana de perseguir um Ideal, uma idéia, um conceito, geralmente acerca do que seja o Belo. Este conceito adquire diversas expressões e representações de acordo com a maneira como o artista desejou apresenta-lo aos apreciadores de suas obras. Em última instância, esta segunda finalidade da arte é a de apresentar um ideal de beleza, que existe na mente do artista, por meio da figuração daquilo que jamais fora visto. Isto é, na forma daquilo que é essencialmente novo.

Muitas vezes se diz que a Arte, neste segundo sentido de perseguir e expressar o Belo, possui um fim em si mesma; é muito comum ouvirmos que a Arte não precisa de uma explicação, que ela se basta a si mesmo, que ela nem é útil nem inútil ou mesmo que ela é a sua própria causa. Isto ocorre pelo fato do artista, no ato da criação, querer apresentar aquilo que não possui origem, ou seja, aquilo que nunca existiu, a pura Novidade. Quanto mais novidade ele trouxer para a sua obra, tanto mais original ela será e tanto mais ele se aproximará do ato da verdadeira “criação”, que quer dizer “aquilo que nunca existiu antes e que passa a existir agora.”

No entanto, este ato de Motor primeiro não parece ser da alçada humana, de modo que o artista se vale do privilégio de transitar, também, numa espécie de reino divino, sendo ele o único que pode ter acesso àquilo que nunca muda e que, no entanto, aparece e desaparece no reino dos mortais comuns: estamos falando da Beleza manifesta em sua essência. Para o artista, o Belo é o mundo interpretado pelo olhar que sabe Ver essa essência etérea, esvanecente, isto é, o Belo é aquilo que está presente no mundo, mas que só pode ser visto com os olhos do espírito, tocado apenas pelas asas da paixão, mas que ora ou outra se mostra numa paisagem, num corpo humano, numa cena diária, numa revelação divina etc.

A Arte é contraditória somente quando se tenta defini-la, pois ela tenta figurar aquilo que é eterno e que, no entanto, muda, aquilo que é essência e que, no entanto, se manifesta no espaço e no tempo, aquilo que só pode ser visto com os olhos do espírito e que, no entanto, necessita dos sentidos para ser observada, aquilo que sempre existiu e que, no entanto, é novidade pura. A arte é contraditória quando tenta perseguir e apresentar o Belo em si mesmo, fornecendo um exemplo provisório que é a obra artística física. Vejamos como Fernando Pessoa descreve, poeticamente, o olhar, o trabalho, o objetivo e a essência do artista.

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade no Mundo

As formas de expressão da Arte são tantas quantas forem as ações inventivas que os homens possam realizar ou imaginar. Contudo, as mais conhecidas foras de expressão artísticas habitam o nosso convívio diário, como é o caso da música, da pintura, da escultura, do cinema, do teatro, da poesia, da fotografia e assim por diante. Seja qual for a forma física que o artista utilizou para atingir o seu fim último, para perseguir e representar o Belo, tanto mais terá alcançado este propósito quanto mais satisfação pessoal o seu trabalho proporcionar a si mesmo; principalmente, quanto mais prazer estético ele fornecer àqueles que o percebem.

1- A opinião geral que se tem é que a Beleza não pode ser definida ou apresentada. Que os diversos exemplos particulares de beleza dependem muito do observador, em outras palavras, que cada um tem sua própria opinião sobre o que é belo ou deixa de ser. Se isto for verdade, como podemos definir o que é Arte e o que não é, tendo em mente o que vimos até agora? Explique.
2- O que é necessário para ser artista? Explique.
3- Você tem alguma preferência pessoal com relação às diversas formas de expressão artística (pode ser as formas ligadas à técnica)? Poderia contar como você enxerga o Belo nesta maneira particular de presentação?
4- Explique as duas finalidades da Arte.

O que nos põe a pensar...

Uma questão que perturbou, e nos dias de hoje continua perturbando a cabeça de muitos filósofos, é aquela relacionada às causas das atividades mentais nos seres humanos, isto é, sobre a causa dos pensamentos e de seus correlatos. A pergunta que muitos filósofos, teólogos e cientistas tentavam responder era a seguinte: “O que nos põe a pensar?” ou “Seria a alma a responsável pelos movimentos físicos e mentais nos homens?” ou “Será que a mente se encontra no cérebro?”

De início, os filósofos concluíram que não somos como folhas ao vento, isto é, que não nos movemos aleatoriamente, de um lado para o outro, de acordo com as condições do meio ambiente, mas que possuímos uma vontade pessoal bastante marcante, a qual controla o sentido e a direção de quase todos os nossos atos. O mesmo acontece com os nossos pensa-mentos; notamos que pensamos sobre determinadas coisas de acordo com nossos interesses particulares, concluindo que eles também devem possuir uma explicação, uma causa, uma origem bastante determinada.

De modo que tendo de haver uma explicação para tudo o que percebemos, e tendo percebido que há movimento e pensamento em nossos corpos, então deve haver uma explicação também para estes movimentos que ora são físicos (quando chutamos uma bola), ora são volitivos (quando imaginamos que iremos conseguir fazer o gol). Este porquê de nos movermos e pensarmos assumiu as formas mais convenientes para cada época filosófica.

No início era óbvio que nos movíamos, tanto física como intelectualmente, somente graças à vontade divina. Esta foi a explicação mais conveniente mesmo depois de haver iniciado o período da Razão. Ou seja, nesta época foi necessário a postulação de um motor primeiro para explicar todos os movimentos existentes. Este motor primeiro é encarado como aquilo que deu início a todo movimento, sendo que antes dele não havia movimento de espécie alguma. O motor primeiro simplesmente não requer explicação nem poderia ser humanamente explicado, ele existe apenas como recurso de investigação na medida em que, sem ele, as especulações filosóficas e científicas ficam sem base. Teologicamente este Motor primeiro também é conhecido pelo nome de Deus.

Então, teologicamente falando, somente a Deus podemos atribuir as causas pelas coisas moventes na Terra. Nas pessoas, no entanto, pode-se perceber que, além dos movimentos físicos comuns aos outros animais, também há os movimentos que chamamos de espirituais ou mentais. Estes são movimentos invisíveis ao olho, mas que estão presentes quando pensamos, desejamos, sentimos, amamos, ansiamos, quando temos medo, raiva etc. Quase automaticamente, então, os filósofos e outros teóricos passaram a fazer uma diferenciação entre dois tipos de movimentos: os externos (físicos) e os internos (mentais ou espirituais).

Esta diferenciação de movimentos também criou uma diferenciação entre dois mundos, um mundo externo (físico) e um mundo interno (espiritual ou mental). No mundo externo podemos encontrar os movimentos comuns, mecânicos e determinísticos. Contudo, no mundo interno, no mundo espiritual ou mental, encontramos movimentos muito diferentes destes. Isto é, os movimentos espirituais ou mentais são incorpóreos e, por este motivo, não obedecem às leis da mecânica e não precisam ser determinísticos.

A imaginação, a capacidade de criar livremente, é um atributo do espírito (ou da mente, como preferir). Assim sendo, fica claro como a liberdade do pensamento ganha asas gigantescas quando no âmbito do “puramente mental”; prova disso são alguns sonhos, por exemplo, em que estamos voando,em que estamos nus e ninguém percebe ou em que vemos bruxas e dragões. A partir destas observações, muitas vezes é possível obter a incrível conclusão de que somos capazes de transitar em dois mundos distintos: um físico e um outro metafísico, um espiritual e um outro material, um natural e um outro imaginário. Apenas muito recentemente os homens acharam por bem tentar entender o mental utilizando as mesmas bases que estavam sendo usadas para entender o mundo natural ou físico. Estas bases são as bases mecânicas do espaço e do tempo, existentes em nosso mundo cotidiano. Assim, se o estômago é capaz de digerir certos alimentos, é porque ele possui certas propriedades anatômicas e químicas que o permitem realizar a digestão. Igualmente se imaginou que, se somos capazes de pensar, só pode ser porque deve existir um órgão em nós com certas propriedades anatômicas e químicas próprias para o efeito do pensamento. Assim, todas as atenções se voltaram para o cérebro como o órgão responsável pelos movimentos mentais. Desta maneira o processo do pensamento, para todas as análises futuras, deveria ser encarado como um movimento físico, da mesma forma como é físico o processo digestivo realizado pelo estômago. A partir destas teorias, o espiritual, a imaginação, o mental perderam sua causa divina, não pertencendo mais a um mundo metafísico. Disto estão tão certos os atuais pesquisadores da área como estavam certos os primeiros teóricos quando apontavam para Deus como a única explicação para aquilo que nos anima, que nos move, que nos empurra para querer viver e saber cada vez mais, ainda que este “mais”, talvez, esteja bem longe do que se possa entender como “Verdade”.

1- Se pararmos para pensar sobre os nossos próprios pensamentos, nos tornamos conscientes de nós mesmos. Este “nós mesmos” é feito de um pouco de sensação, um pouco de imaginação e um pouco de emoção. A qual destas três porções estamos mais ligados nos dias de hoje? Explique.
2- As palavras “Espírito” e “Mente”, para muitos filósofos, nomeiam a mesma coisa. O que seria esta coisa nomeada por estas palavras? Explique.

Externando o Pensamento através da linguagem...

Talvez a Linguagem tenha sido a conquista humana mais importante de todos os tempos. Podemos pensar na Linguagem de diversas maneiras: como a externalização do pensamento, como a expressão mais aproximada da essência espiritual humana, como uma manifestação cultural ou, simplesmente, como uma forma de comunicação. Por ser mais acessível a nós no momento, tomemos a linguagem neste último sentido mais trivial, isto é, como a pura transmissão de idéias, pensa-mentos, emoções e sensações a um outro - o que chamamos de comunicação.

A linguagem assim compreendida pode assumir diversas formas: a música, a matemática, a escrita, a fala, a mímica. Talvez a forma de linguagem mais comum a todos os seres humanos seja a fala, pois é uma forma de comunicação bastante rápida e eficaz, que aprendemos desde muito cedo. No entanto, em qualquer linguagem podemos encontrar certos elementos que devem estar presentes para o efeito da comunicação ser atingido.

Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a linguagem só é possível por meio de uma generalização conhecida pelo nome de Representação. O intelecto cria um símbolo e este se põe no lugar do objeto visto ou pensado, este símbolo torna-se um representante deste objeto, um nome. Uma vez que todos entram num acordo sobre os nomes dos objetos, isto é, sobre um conjunto de símbolos, então, a partir daí, têm início uma tentativa de linguagem.

Quando tentamos aprender uma nova língua, geralmente começamos deste ponto, começamos aprendendo o nome dos objetos. Os bebês, por exemplo, começam dizendo “Páaa” ou “Mãaaa”, para apontar para os adultos, criando, assim, uma enorme confusão sobre quem são efetivamente os seus pais.

De início, estes protótipos de palavras “Páaa” ou “Mãaaa”, que os bebês proferem, servem apenas para representar os seres grandes que se aproximam deles de vez em quando. Posteriormente começam a significar “Masculino” e “Feminino” e só depois de algum tempo designam realmente os pais da criança. Notamos que o símbolo, a representação, que pode ser uma palavra do tipo “Páaa”, tem um significado, um conteúdo, que vai mudando de acordo com o tempo e com a situação.

Mas e o que é um significado, um conteúdo lingüístico? Rapidamente, significado é aquilo que é apontado pelo símbolo ou pelo nome. Um nome pode apontar para uma pessoa que conhecemos, mas também pode apontar para um desconhecido, para uma emoção, para um objeto, para uma idéia ou, ainda, para toda uma complexa teoria etc. Portanto, dentro da linguagem que quer comunicar algo, um nome só é bem utilizado quando, ao fazê-lo, todos para quem nos dirigimos conhecem o significado deste nome. Mas, além dos símbolos, a linguagem também possui movimento. Ela não é apenas uma série de nomes encadeados, ela também é a articulação destes nomes na tentativa de expressar idéias inteiras, por exemplo:

“João e Maria se casaram, mas é muito provável que eles não continuem juntos por muito tempo.”
Nesta sentença encontramos palavras que designam nomes (substantivos), mas também encontramos palavras que indicam ação (verbos), além de outros elementos que ajudam a transmitir uma idéia bastante clara acerca de um evento e sobre o prognóstico de futuras ocorrências. Contudo, para uma linguagem que quer comunicar algo, é essencial, além daquilo a ser comunicado, que também haja alguém para quem comunicar. Muitas vezes este alguém (o receptor) fica com a responsabilidade de interpretar (traduzir) os sinais diversos da mensagem. Temos quatro elementos essenciais da linguagem:

1º - o sujeito (o transmissor), que faz uso da linguagem proferindo uma sentença; 2º - a mensagem propriamente, composta por sinais que são representações diversas;

3º - o significado dos sinais ou aquilo que se quer representar com eles: objetos, pensa-mentos, ações, estados possíveis passados, presentes ou futuros, emoções, desejos etc;

4º - o ouvinte (o receptor), ou aquele que recebe a mensagem e que fica com a incumbência de decifrar os sinais na tentativa de aproximar o conteúdo que ele obteve na tradução com aquele que ele crê ser o imaginado pelo transmissor.

Da mesma forma uma pintura, como maneira de comunicar algo, também possui estes quatro elementos, assim como uma música, uma equação matemática, uma peça de teatro, um filme, um jornal e tudo o que entendemos por meios de comunicação ou formas de linguagem. Muitas vezes acreditamos que não conseguimos pensar sem uma linguagem própria para o pensamento, palavras imaginadas ou imagens mentais. Outros, no entanto, acreditam que o pensa-mento e a linguagem são situações distintas e que não podem ser confundidas. Porém é certo que a linguagem estrutura e organiza o pensamento dando-lhe uma forma precisa e, em alguns casos, comunicando-o.

1- Cada um de nós possui uma forma de expressão que é própria e que não precisa ser necessariamente a fala. Alguns se expressam bem falando, outros escrevendo, outros pintando, ainda há os que gostem de cantar ou dançar. Mas será que todos nós somos capazes de interpretar (traduzir) estas diversas formas da linguagem? Explique.
2- As interpretações dos receptores produzem significados que podem se aproximar bastante dos conteúdos que o transmissor gostaria de passar com a mensagem; no entanto, raramente, estes dois conteúdos são idênticos. Isto explica os mal entendidos, como quando queremos dizer alguma coisa a alguém e este alguém entende uma outra coisa diferente. Qual seria a razão destes mal entendidos? Explique.
3- Os animais possuem linguagem? Argumente.

Produzindo Ideologias...

De maneira bastante simplificada, Ideologia pode ser considerado um conjunto qualquer de idéias sistematizadas e propaladas a todos como reflexo da realidade. Neste sentido, podemos considerar vários grupos teóricos como produtores de ideologia. Temos, por exemplo, o grupo dos cientistas, que afirmam um certo conjunto de idéias sobre os eventos naturais. Eles acreditam que estas idéias correspondem à realidade sobre o mundo natural. Faz parte da ideologia científica a noção de que o mundo natural é composto por elementos com propriedades físico-químicas, que estes elementos se unem para formar a matéria, que podemos fazer experiências e observar como se dá a dinâmica da matéria em diversas situações e que os resultados destas experiências, muitas vezes, nos conduzem a uma afirmação pura e verdadeira sobre o mundo.

Assim como a ideologia científica, podemos ter, também, as ideologias filosóficas, teológicas ou religiosas. Uma das idéias mais presentes dentro das ideologias filosóficas é a da capacidade irrestrita da Razão. Em outras palavras, é a idéia segundo a qual a Razão é inata ao ser humano e verdadeira em si mesma, isto é, não necessita de nenhuma justificativa para existir e não é capaz de conduzir o pensamento na direção do erro ou da falsidade.

Assim, o uso da Razão dentro da filosofia é apregoado ideologicamente como o instrumento necessário e universal na busca da verdade. Contudo, não há, absolutamente, nada na realidade presente que confirme esta afirmação, é por este motivo que a idéia da necessidade e da universalidade da Razão faz parte de uma ideologia filosófica, entre outras. Isto quer dizer que esta idéia só possui confirmação dentro do sistema filosófico do qual é parte integrante.

Mas o mais interessante quando o ponto são as diversas ideologias é que o contrário do que foi dito acima também pode ser verdadeiro. Por exemplo, afirmar que não há nada na realidade presente que confirme a Razão, como instrumento necessário e universal na busca da verdade, faz parte de outro conjunto sistematizado de idéias. Este, por sua vez, pode ser conhecido pelo nome de “Irracionalismo” e também constitui, por si só, uma outra ideologia. O próprio conceito de “Verdade” faz parte de um tipo de ideologia e assim por diante. Vemos que o mundo é composto por ideologias que tentam nos convencer acerca do estado presente das coisas, ou seja, sobre aquilo que conhecemos por ‘realidade’ ou por ‘verdade’.

Outro exemplo de ideologias são as teológicas, ou seja, aquelas que sistematizam idéias acerca da existência e atributos de Deus ou de outras divindades. Dentre as diversas ideologias teológicas temos aquelas que afirmam a existências de um Deus único, perfeito, onipotente, onipresente etc. Também há aquelas que afirmam um sistema hierárquico divino, com deuses e deusas, mas, também, há outras em que simplesmente não há divindades, mas apenas a afirmação de um plano cósmico universal para tudo o que existe. Todas elas, no entanto, possuem um sistema ordenado de idéias, postulados, axiomas, dogmas acerca da criação, do infinito, do eterno e dos destinos humanos.

Dentre as ideologias religiosas temos as ideologias católicas, evangélicas, budistas, taoístas, xintoístas, hinduístas etc. Todas elas são compostas por teorias e idéias acerca da comunicação do homem com as divindades. Por exemplo, temos a idéia da redenção humana por meio de sacrifícios de sangue, muito presentes nas ideologias greco-latinas e judaico-cristãs. Temos a idéia de karma, presente no hinduísmo, segundo a qual os destinos humanos estão selados desde antes de seu nascimento. Temos, de maneira bastante presente na maioria das religiões, a idéia de uma vida após a morte, seja esta vida carnal ou espiritual. Mas o importante mesmo é lembrar que uma ideologia é, em última instância, uma produção humana e que, por isto, muitas vezes, está voltada para fins bastante práticos. Na maioria das vezes as ideologias existem para a defesa de interesses de grupos políticos, religiosos, econômicos ou sociais que podem estar ou não no poder. A força das ideologias sobre as massas é tão grande que, muitas vezes, “estar no poder” significa ser capaz de criar e espalhar bem uma deter-minada ideologia.

Poder é controle; se falamos de poder político, religioso ou econômico, então estamos falando de manipular os ideais políticos, religiosos ou econômicos da maioria das pessoas (a massa) para este fim de manipulação e controle – tanto melhor será uma ideologia quanto mais assimilada por todos ela for. Este foi o caso da ideologia capitalista que, praticamente, “engoliu” o mundo inteiro, fazendo um pequeno grupo deter o controle econômico e político sobre quase toda a população do planeta. Percebemos, então, que as ideologias estão aí menos para educar do que para convencer e controlar.

1 – Explique o que você entendeu por ideologia?
2- Se até a própria idéia de verdade pode fazer parte de um tipo de ideologia, então será que podemos dizer que ela (a verdade) existe ou que se trata apenas de mais uma forma de manipular nosso trabalho e nosso espírito? Explique.
3 – Se estamos cercados por ideologia dos mais diversos tipos, se de fato estão aí mais para nos dominar e controlar, como poderíamos escapar de um domínio, de uma manipulação que nem sempre é desejada? Explique?
4 – O cantos e compositor cazuza, em sua música ideologia, inicia a composição com os versos: “Meu partido é um coração partido/Minhas ilusões estão todas perdidas”. No refrão afirma: “Meus heróis morreram de overdose/Meus inimigos estão no poder/Ideologia eu quero uma pra viver”. Explique o drama vivido pelo personagem. Ele não poderia simplesmente viver sem ideologia?