Já acompanhamos o surgimento da dúvida em Descartes. Qual dúvida? A dúvida acerca de como podemos conhecer verdadeiramente as coisas, os objetos, o mundo ou os nossos pensamentos. Também acompanhamos o seu raciocínio sobre como deve ser este conhecimento. Isto é, um conhecimento realmente bom, um conhecimento realmente válido, deve possuir duas características principais: ser Universal e ser Necessário. Muito resumidamente podemos dizer que ser universal é ser válido para todos; e ser necessário é decorrer (existir) obrigatoriamente.
Descartes parte, então, para uma averiguação de todos os conhecimentos que ele adquiriu durante a vida. Seu interesse era verificar se aquilo que ele pensava conhecer era universal e necessário. Chega à conclusão de que apenas alguns destes conhecimentos possuem esta característica e outros não. A Matemática, a Geometria e a Lógica são por ele considerados conhecimentos universais e necessários, na medida em que as afirmações que daí advém são aceitas por todos que participam de suas regras. Por exemplo: a operação 1 + 1 = 2 não requer que discutamos se há a possibilidade de que o resultado seja um outro.
O resultado da soma 1 + 1 é aceito por todos (é universal, portanto), mas, mais do que isto, não pode ser nenhum outro senão o número 2 (é necessário, portanto). O mesmo acontece com o triângulo, todos concordam que o triângulo seja um polígono com três lados (universalidade), mas, mais do que isso, para chamarmos um polígono qualquer de “triângulo”, é necessário que este polígono possua três lados. Na lógica verificamos raciocínios semelhantes como no caso do bastante popular argumento sobre Sócrates: “Todos os homens são mortais, Sócrates é homem, portanto Sócrates é mortal.”
No entanto, Descarte considerava que a Astrologia (nessa época, a astrologia era considerada uma ciência válida), a Astronomia, a Alquimia (a predecessora das atuais ciências biológicas e químicas) e todos os outros conhecimentos que lidavam com suposições sobre o espaço e o tempo (e seu conteúdo: a phisis), apenas afirmavam opiniões particulares sobre o mundo. Os saberes que se obtém destas ciências advém da percepção, seja dos astros, seja dos elementos físicos que nos rodeiam. Portanto, para Descartes, os resultados destas percepções podem variar de pessoa para pessoa na medida em que cada indivíduo só pode fazer observações segundo um ponto de vista particular, ou seja, único e singular para cada um. Dois astrólogos, por exemplo, poderiam obter resultados diferentes partindo da observação da mesma conjuntura de astros no céu. Por outro lado, dois matemáticos jamais poderiam chegar a resultados diferentes ao executarem a mesma operação matemática.
A diferença crucial entre estas formas de conhecer (as ciências exatas de um lado e as ciências naturais de outro) era justa-mente o Método adotado. O grupo formado pelas ciências exatas tinha por metodologia descartar qualquer conhecimento que fosse obtido pelas vias sensórias (visão, audição, olfato, paladar, tato), enquanto que as ciências ditas “da natureza” se apoiavam exatamente nestas percepções físicas do mundo.
Na filosofia fundou-se, assim, o Racionalismo. Esta doutrina apoiava todo e qualquer conhecimento válido universal e necessariamente, única e exclusivamente, obtido no exercício da Razão por meio, principalmente, do uso extensivo das ferramentas fornecidas pela lógica, pela geometria e pela matemática. Os racionalistas abdicavam de executar qualquer tipo de experiência que envolvesse os sentidos, já que eles acreditavam que estes só poderiam fornecer pontos de vista particulares sobre o mundo. Eles acreditavam que somente com as opiniões individuais sobre os diversos objetos particulares não se poderia formar um conjunto de afirmações realmente válidas, ou seja, não se poderia constituir uma ciência e, deste modo, não se poderia obter um conhecimento verdadeiro segundo os moldes que eles propunham. Descartes é considerado, por muitos, como o fundador deste movimento filosófico.
O pai do Racionalismo, portanto, propôs que, para se iniciar a construção de um conhecimento baseado exclusivamente na Razão, há a necessidade de seguir o mesmo plano de um engenheiro que quer construir um alto edifício. Em primeiro lugar, o engenheiro deve limpar o terreno onde a obra será construída. Se houver um prédio antigo, já velho e fraco, este deverá ser derrubado para que um novo alicerce seja inserido em seu lugar.
Portanto, o filósofo também deve se desfazer das antigas teorias para começar a pensar as bases de um novo e forte tipo de conhecimento. Descartes concluiu que o filósofo racionalista deve se desfazer de todo o conhecimento baseado nas sensações e na experiência sensível. Deve se desfazer de tudo que for minimamente duvidoso, para que nem uma sombra de ilusão enfraqueça seu novo edifício que será a nova doutrina sobre o quê se pode de fato conhecer. Este importante pensador mostrou que, para se iniciar uma investigação rigorosa sobre o quê se pode conhecer, sobre os objetos, sobre o Ser, ou até mesmo sobre o espírito ou sobre Deus, é necessário primeiro se saber o como conhecer tais coisas. O Método está, portanto, para Descartes, intrinsecamente relacionado com o objeto do conhecimento e, por vezes, o método e o objeto confundem-se mutuamente.
O Método é o fazer filosófico por essência. O Método é o determinante da ação, do sujeito e do objeto. Um discurso sobre o Método é a tentativa de estabelecer o quê o sujeito pode conhecer, de que forma ele deve fazê-lo e até como este sujeito se vê inserido nesta investigação.