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sexta-feira, 23 de julho de 2010

O espaço público e o privado...

O homem é um ser, a um só tempo, público e privado. Lembramos que já começamos a compreender um pouco melhor a existência do sujeito como aquele indivíduo que possui uma identidade particular e social. Também vimos que pode existir um grande organismo coletivo, que também possui sua própria identidade, feita das muitas identidades particulares dos elementos que o compõe. Percebemos que estes sujeitos, o coletivo e o particular, se integram e se influenciam mutuamente.

Mas ainda não ficou suficientemente claro quais seriam os limites destes dois sujeitos, ou seja, até que ponto a identidade que eu chamo de minha não é, na verdade, uma identidade coletiva. Em geral, nossas identidades particulares se fundem com as identidades dos grupos a que pertencemos - até o ponto de não sabermos mais se nosso coração obedece aos nossos desejos egoístas ou aos desejos da maioria. Mas há momentos especiais onde isto fica bastante claro. Estes momentos são aqueles em que o espírito de grupo, de equipe, de participação ou mesmo de solidão aparecem de maneira mais óbvia. Se torcemos por um time de futebol que não está indo muito bem no campeonato, então nem nos preocupamos em assistir aos jogos no estádio. Se encontramos algum outro torcedor do nosso time, nem chegamos a comentar a possibilidade de uma queda ainda maior do rendimento. Por outro lado, se em nosso time está tudo indo às mil maravilhas, então, procuramos com quem conversar, assistimos aos jogos pela TV com amigos e até chegamos a ir assistir, ao vivo, no Estádio.

Percebemos que existem situações que pedem um momento de solidão e outros que pedem a reunião para a troca de experiências. Podemos observar facilmente que cada um destes momentos requer locais para dar vazão aos nossos estados de espírito. No carnaval, por exemplo, raramente ficamos tristes ou sozinhos. Neste caso, gostamos de procurar espaços públicos onde haja uma confraternização de todos em torno do mesmo espírito de festa.

Contrariamente, algumas pessoas ficam tristes no Natal ou no seu próprio aniversário. Então, gostam de passear sozinhas ou ficar assistindo televisão até de madrugada. Seja passeando em meio à reflexão na rua, ou sem conversar com ninguém no escritório, esta pessoa está em busca de um espaço privado, onde ela esteja só consigo mesma e, deste jeito, ela encontre a resposta para a sua situação existencial como sujeito, a sua identidade. Assim, percebemos que algumas pessoas são mais extrovertidas do que outras. Algumas pessoas preferem viver em um espaço público, outras em um espaço privado.

A palavra “espaço” aqui deve ser entendida em um sentido psicológico. Ou seja, como a posição dos desejos e da identidade das pessoas em geral. Deste modo, podemos nos encontrar tremendamente sozinhos em meio a uma enorme multidão, ou podemos nos sentir agradavelmente acompanhados com nossa coleção de livros ou com nossa própria intimidade.

Mas também existe uma grande e interessante relação entre o que chamamos de espaço público e o espaço privado e os locais físicos propriamente ditos.

Tomemos o exemplo de um governante falando, por meio de jornalistas, para toda a nação. Este homem representa um sujeito coletivo, representa a identidade de um grupo de pessoas. Portanto ele se encontra num espaço público, mesmo que a entrevista seja na sala da sua casa. Agora, suponhamos que este homem esteja dentro de seu gabinete de trabalho com dois amigos mais íntimos, neste momento eles estão se lembrando de uma farra de quando eram jovens ou contando uma série de piadas pesadas. Nesta situação, este político se encontra num espaço privado e odiaria ser surpreendido por qualquer um que não pertença a este espaço, assim como seus dois amigos com quem brinca.

O exemplo da ilustração da próxima página traz os dois casos em que o espaço público (a entrevista) não se identifica com o local público (o gabinete), o mesmo acontecendo com o espaço privado (as brincadeiras) e o local privado (a sala da casa). Mas esta identidade também pode acontecer quando vamos torcer e agitar a bandeira do nosso time no estádio. Então, colocamos a camisa oficial e nos dirigimos até lá onde gritamos até ficarmos roucos. Depois de findo o jogo, nos dirigimos para a nossa casa, onde agimos naturalmente como sempre. O Espaço público (a torcida) se identifica com o loca público (o estádio), e o espaço privado (a nossa vida comum) com o local privado (a nossa casa).

Notamos um fenômeno também bastante interessante no que diz respeito ao espaço público e ao espaço privado quando comparamos as cidades grandes com as cidades pequenas ou com a vida no campo. Nas cidades grandes, a superpopulação, a vida acelerada pelos horários apertados, pelas distâncias, pelas vias expressas congestionadas na hora do rush, pelo café e elos cigarros consumidos em doses perigosa-mente altas, tornam bastante minguadas e doentes as nossas vidas particulares. Procuramos a paz em locadoras de vídeo, em poltronas isoladas de cinemas, em fundos de restaurantes e sempre se acaba

tendo que ir dormir para acordar cedo no dia seguinte para mais uma maratona de muitos contatos com os outros e poucos contatos consigo mesmo.

Este excesso de exposição pública compulsória, ônibus, trânsito, trabalho, lojas, escola, cinemas, teatros, ruas etc, fazem com que as pessoas sintam falta do espaço privado a que todos almejam em alguma dose. Na ausência de um local assim, as pessoas se introjetam, se tornam casmurras, buscam o refúgio privado dentro de si mesmas - que é só o que lhes restou de íntimo, valorizando isto como o seu bem mais precioso: os seus pensamentos, os seus desejos, os seus segredos, os seus mistérios, são todos guardados no impenetrável forte de seus corações.

Na margem oposta, a vida em pequenas cidades e a vida no campo oferecem muito pouco além da praça, da igreja e das calçadas das ruas nas noites quentes de verão. Ao contrário das cidades grandes, a exposição pública nestes locais fica deveras restrita. As curtas distâncias, o isolamento da roça e do sítio, o número restrito de semelhantes, de afinidades, de gostos, a falta de opção de lazer e de trabalho, tudo isto faz com que, dessa vez, as pessoas sintam falta do seu quinhão de espaço público.

Deste modo, os moradores de pequenas cidades e do campo compensam tentando transformar relações particulares em relações públicas. A conversa sobre a vida alheia se transforma numa espécie de mídia informal. Nas ruas, todos se cumprimentam como se ainda estivessem dentro de suas casas, como se todos fossem realmente conhecidos, amigos, parentes. Não é visto com bons olhos a casmurrice, a introjeção, a introspecção. Todos devem ser amigos, todos devem ser cordiais. Todos devem estar expostos. A falta de maiores espaços públicos torna todas as relações públicas.

O equilíbrio entre o espaço público e o privado é aquilo que equilibra, igualmente, as nossas intenções, vontades, sensações e emoções. É o que equilibra as nossas solidões e as nossas exposições. Próxima

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
(...)
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres, mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
(...)
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
(...)
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e [lentamente
passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Carlos Drummond de Andrade, A Rosa do Povo
Cidadezinha Qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
                                                                       (Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética.)

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