Ao contrário do que imaginava o jovem Wittgenstein, a filosofia não acabou com o Tratactus Logico-Philosophicus. Pelo contrário, a partir de seus trabalhos posteriores, muitos pensadores puderam se organizar melhor no sentido de abrir algumas portas para um pensamento crítico interdisciplinar. Foi assim que surgiu uma das manifestações mais recentes da Filosofia, que se uniu às ciências exatas, às ciências naturais e às ciências humanas: a Ciência Cognitiva e a Filosofia da Mente.
O passado e o presente se juntaram numa síntese filosófica, preservando o que havia sido produzido de mais interessante em matéria de filosofia, de ciência, de lógica, de psicologia, de lingüística, de computação, de economia, de ciências sociais etc. Esta síntese remeteu o pensamento para o futuro, para um avanço sobre o que entendemos por Mente e/ou Espírito humano; esta síntese nos remeteu para o que entendemos por capacidades de conhecer, sobre o que entendemos por capacidade de agir, sobre o que entendemos por capacidade de perceber, enfim, sobre o que entendemos por Sujeito e sobre como ele pode se relacionar cognitivamente com o mundo e com os sujeitos particulares que o cercam.
Desde a filosofia antiga até o período atual, notamos a pertinência de certas questões que, mesmo passando por certas mutações em suas formas, não deixam de ocupar nossa atenção enquanto investigadores da natureza do conhecimento humano. Lembremos que essas questões podem se colocar da seguinte maneira: ‘Como obtemos um conhecimento verdadeiro sobre o mundo?’ e ainda, de uma maneira um pouco mais radical, ‘Como poderíamos obter um conhecimento verdadeiro sobre nós mesmos?’.
Certamente a filosofia, a Teoria do Conhecimento, a Filosofia da Ciência ou a Filosofia da Mente, de modo geral, nos forneceram uma série bastante grande de possíveis respostas; basta lembrarmos os posicionamentos do realismo ao ceticismo, do racionalismo ao empirismo, do positivismo lógico ao falsificacionismo e do dualismo ao materialismo; nenhum deles, contudo, ficou imune às críticas.
A contemporânea discussão sobre os possíveis processos que subjazem o que entendemos por mental é uma atualização das questões mencionadas há pouco. Vemos um grande esforço por parte da filosofia atual e por parte das ciências interdisciplinares em nos fornecer respostas convincentes às questões que ficaram em aberto por séculos, principalmente por meio de uma compreensão do que seja o mental. Este esforço preconizou o aparecimento da ciência cognitiva. Esta nova ‘ciência’ possui a franca estratégia de tentar unir os trabalhos realizados por diversas disciplinas científicas, de modo a criar um diálogo entre elas, somando a isto a crítica fornecida pela filosofia da mente.
Muito do que a ciência cognitiva é atualmente se deve à busca de um ideal que poderíamos designar como o Ideal Da Unidade Metodológica Da Ciência. Desde Descartes, percebemos a busca por esse ideal em sua proposta de um método investigativo apresentado, como pudemos ver, nas Meditações e no Discurso do Método. O conhecimento possui, em Descartes e na tradição filosófica que se seguiu a ele, a característica de poder ser examinado por um único instrumento, a Razão. O filósofo Francis Bacon também possuía pretensões de alcançar uma unidade metodológica, porém, neste caso, o conhecimento só poderia ser obtido, honesta e verdadeiramente, por meio de uma abordagem empírica. Depois de Bacon, somente as ciências que se utilizassem deste tipo de abordagem poderiam ser consideradas como as ‘verdadeiras ciências’.
Auguste Comte acreditava que, somente no que ele chamou de Estado positivo, a sociedade poderia começar a realmente caminhar numa verdadeira progressão em direção ao desenvolvimento do conhecimento. Neste Estado positivo as ciências naturais ocupam a posição de detentoras do único saber verdadeiro, pois possuem um método válido de investigação: o método empírico. Para Comte, tudo o que fora disto, do método empírico, representava um dos dois momentos que antecederiam o Estado positivo que, como se sabe, são o Estado teológico e o Estado metafísico. De qualquer forma, como não pode haver momento de mais glória para o conhecimento do que aquele obtido com o Estado positivo, não haveria porque não dar, ao método de investigação empírica, o mérito de único método válido.
Comte legou sua filosofia positiva ao Círculo de Viena, que floresceu na década de 30 deste século. Seus integrantes queriam uma ciência que privilegiasse o conhecimento obtido quantitativamente por meio de observações e de medições, o que implicaria numa redução de todo o conhecimento a uma espécie de fisicalismo. Sendo ou não uma boa herança filosófica, foi isto o que ficou dos neopositivistas do Círculo de Viena: um projeto de unificação metodológica das ciências em torno do eixo criado pelo vocabulário fisicalista das quantidades e dos recursos da moderna lógica matemática.
Deste breve histórico talvez não se possa afirmar, com toda segurança, que a ciência cognitiva tenha saído somente de Descartes, Bacon, Comte e de neopositivistas como Wittgenstein. No entanto, não há como fechar os olhos para este passado. Parece ser uma constante na história da filosofia, uma tendência observada já no período dos gregos e que perdura em nossos tempos, a de uma disputa sobre o que é o conhecimento e a forma como apreendê-lo. Isto é, uma disputa por uma única filosofia, por um conhecimento unificado, pela conquista do instrumento que possibilite a apreensão total de tudo que seja inteligível, ou seja, daquilo que é suscetível de ser compreendido em termos racionais. Na história da filosofia percebemos momentos em que tal instrumento parece ter sido encontrado e, no entanto, no momento seguinte, começamos a achar que o inteligível se nos apresenta pouco satisfatório.
Com o filósofo Descartes, vivemos um momento de ampliação do inteligível; a Razão serviu de poderosa lanterna clareando mesmo a mais densa escuridão jamais encontrada. Desde Comte, no entanto, passamos a ver a filosofia com outros olhos: como algo que tivesse perdido seus antigos encantos. A ciência passou, então, a ocupar o lugar da filosofia como legítima ferramenta para a obtenção do conhecimento. Quando já no início deste século, com os neopositivistas do círculo de Viena, isto se consolidou ainda mais, toda filosofia que não estivesse à sombra do positivismo lógico era considerada metafísica e deve-ria ser banida.
Desde então, a naturalização do conhecimento se tornou a razão de ser de cientistas e de muitos filósofos ligados à ciência. O inteligível, em termos do conhecimento científico, passou a ser aquilo que pode ser medido e quantificado. Isto eqüivale a dizer que enfrentamos um momento, da história da filosofia, de redução do que pode ser legitimamente considerado como ‘Inteligível’. Porém vivemos, exatamente por essa redução, a expectativa de uma rápida ampliação desse ‘inteligível restrito’ para algo maior, na medida em que, é certo, esta redução possa nos fornecer uma base sólida para o prosseguimento de nossas incursões no campo do conhecimento.
Atualmente, no Brasil, encontramos vários centros de pesquisa interdisciplinar em ciência cognitiva e filosofia da mente funcionando a todo vapor. Estes centros se encontram nas principais Universidades brasileiras, como a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a USP (Universidade de São Paulo), a UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), entre outras. Cabe destacar que na UNESP (Universidade Estadual Paulista), mais precisamente no Departamento de Filosofia em Marília, podemos encontrar pesquisadores das mais diversas áreas se correlacionando sob o emblema da Ciência Cognitiva. As pesquisas produzidas neste centro recebem e oferecem colaboração de outros centros do Brasil inteiro, incluindo de outros países como Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, constituindo, portanto, um centro de pesquisa de ponta no território nacional. Assim, a Filosofia se faz presente nos dias atuais, no Mundo e em nosso país, de maneira bastante atuante, pertinente e forte.
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