Nenhum ser humano está inteiramente sozinho no mundo. Ainda que procurássemos, a todo custo, nos distanciar das outras pessoas, não o conseguiríamos. O mundo em que vivemos hoje concretizou fortes relações entre os países, entre as escolas, entre as empresas, entre os povos. Isso se realizou de tal modo que tornou-se impensável, nos nossos dias, não trabalhar, ou não estudar, ou simplesmente se isolar das diversas maneiras de se integrar na sociedade.
Isto ocorreu, basicamente, porque desenvolvemos a capacidade de nos percebermos mais fortes desta maneira. A formação dos grupos organizados de pessoas propicia a geração de um novo organismo que é capaz de realizar tarefas que o indivíduo, em seu esforço isolado, não consegue. Este novo organismo, que aparece da união inteligente entre as pessoas, pode receber vários nomes: Família, Estado, Nação, Instituição, Clã, Sindicato, Irmandade etc.
Para que haja a união das pessoas em grupos de trabalho, de estudo, de lazer, de culto, é necessário, antes de tudo, um acordo mútuo, um pacto, que junte as vontades particulares numa única e grande vontade. Este pacto tem que estar manifesto, isto é, todos têm que tomar conhecimento de seus detalhes, de suas regras, de seus objetivos. Neste momento, a comunicação é imprescindível. Assim, se perguntássemos o que os seres humanos têm em comum com as abelhas, com as formigas ou mesmo com os cupins, poderíamos responder imediatamente dizendo que é a habilidade de se fazer entender por seus semelhantes, criando a possibilidade da organização destes em classes, escalas, hierarquias, graus, ordens etc.
Sem que haja uma ligação entre os indivíduos, a comunicação entre eles não seria possível ou, se fosse, o seria de maneira muito deficiente e não permitiria a extrema especialização e organização atingidas pelas sociedades, seja das abelhas, seja das formigas, seja dos humanos.
Toda comunicação começa com, pelo menos, dois sujeitos: um Emissor, ou aquele que emite uma mensagem, e um Receptor, ou aquele que se encarrega de captar a mensagem.
O Emissor deve ser hábil o bastante para realizar o ato de sinalizar (emitir sinais) para além de si mesmo, isto é, para o mundo à sua volta, seja falando, ou batendo com um ferro em outro, ou digitando, fazendo mímicas, colocando uma pedra em cima da outra, ou de um milhão de outras maneiras. Os sinais são, portanto, qualquer símbolo, signo ou regularidade que é deixada na natureza para servir de marca para ser interpretada.
E é aqui que começa o trabalho do Receptor sendo, talvez, o mais difícil deles. O Receptor deve, portanto, possuir a habilidade de perceber, memorizar e comparar estas marcas deixadas na natureza pelo Emissor. Destas três habilidades, a última (a comparação) é a que exige um esforço maior, pois envolve as duas primeiras. Ninguém seria capaz de comparar o que quer que fosse se não pudesse perceber as coisas para poder justapô-las, medi-las, contá-las, verificá-las. Também ninguém saberia fazer nada disso se não pudesse lembrar-se, nem mesmo, o que são os sinais.
O ato da comunicação, portanto, é um ato complexo. Envolve sempre mais de uma pessoa. E os papéis de Emissor e Receptor se invertem constantemente entre os sujeitos que se comunicam. Uma vez que o sinal é comparado pelo Receptor, ele gera um outro sinal, passando a ser ele mesmo, também, um Emissor. Por sua vez, aquele que antes ocupava o papel de Emissor, passa a exercer o papel de Receptor, interpretando o sinal recém emitido. Só quando este círculo entre o Emissor e o Receptor se fecha é que se pode dizer que houve o ato da comunicação.
A Informação, que é aquilo que mais se deseja em toda e qualquer comunicação, pode aparecer ou não, dependendo da boa execução da emissão os sinais e da tradução destes. Traduzir é, portanto, a ação de perceber, memorizar, comparar e emitir outro sinal que corresponda em algum sentido ao que foi recebido de início.
Toda comunicação passa por estágios que são, de alguma maneira, diferentes uns dos outros, mas estes estágios não têm suas fronteiras nitidamente separadas. Elas se superpõem.
Imitação
Temos um estágio inicial no qual o emissor e o receptor se relacionam copiando ou imitando reciprocamente os sinais emitidos, numa tentativa incipiente de memorização e comparação por meio da repetição.
Esta comparação por imitação gera pouca, ou quase nenhuma, tradução. Se aparecer a informação, neste caso particular de comunicação, esta terá um grau mínimo que é muito baixo. Por exemplo: o papagaio que repete as palavras de seu dono, ou a criança que se veste com as roupas dos pais.
Reprodução
Já num segundo momento, há a inserção de elementos novos no momento da tradução. Estes novos elementos tentam condensar, ou resumir, a idéia percebida; de tal modo que a tradução aparece como uma re-produção daquilo que foi emitido originariamente. Neste momento também existe uma cópia dos sinais, mas esta cópia apare-ce como que resumida, ou facilitada. No caso da reprodução, surge informação num grau mais elevado que no da imitação, pois o emissor e o receptor conse-guiram gerar uma tradução que não apenas repete os sinais originários, mas os modifica para alcançar um fim prático. Por exemplo: um livro que descreve um quadro de um pintor famoso, uma foto, uma mensagem em código, uma teoria científica.
Expressão
Chegamos ao terceiro e último momento, o da expressão, em que a comunicação exibe todo o seu poder. Ou seja, neste momento o Receptor se torna também um Emissor de sinais totalmente distintos daqueles que ele recebeu. No entanto, estes sinais novos devem, ainda, guardar uma certa referência ao que foi sinalizado de início. Aqui a criatividade aparece de maneira bastante forte e a cópia deixa apenas uma leve lembrança. Por exemplo: cada um dos quadros que Picasso pintava em suas fases mais adiantadas era um tipo de resposta ao mundo que o cercava. Estes quadros eram absolutamente originais, isto é, se diferenciavam
muito dos objetos que eles retratavam, no entanto continuavam fazendo uma referência extremamente inusitada a eles.
Comunicação:
Emissor /Sinal – Informação - Sinal /Receptor
As primeiras palavras
Não me ensinaram a falar [os mais velhos] apresentando-me as palavras com certa ordem e método, como logo depois fizeram com as letras; mas foi por mim mesmo, com o entendimento que me deste, meu Deus, quando queria manifestar meus sentimentos com gemidos, gritinhos, e vários movimentos do corpo, a fim de que atendessem a meus desejos; e também ao ver que não podia exteriorizar tudo o que queria, nem ser compreendido por todos aqueles a quem me dirigia.
Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indicá-lo. Mas deduzi isto dos seus gestos, a linguagem natural de todos os povos, e da linguagem que, por meio da mímica e dos jogos com os olhos, por meio dos movimentos dos membros e do som da voz, indica as sensações da alma, quando esta deseja algo, ou se detém, ou recusa ou foge.
Assim, aprendi pouco a pouco a compreender quais coisas eram designadas pelas palavras que eu ouvia pronunciar repetidamente nos seus lugares determinados em frases diferentes. E, quando habituara minha boca a esses signos, dava expressão aos meus desejos.
Foi Assim que comecei a comunicar meus desejos às pessoas entre as quais vivia, e entrei a fazer parte do tempestuoso mundo da sociedade, dependendo da autoridade de meus pais e obedecendo às pessoas mais velhas.
Sto. Agostinho, Confissões
Regras e Significado
Sto. Agostinho não fala de uma diferença entre espécies de palavras. Quem descreve o aprendizado da linguagem desse modo, pensa, pelo menos acredito, primeiramente em substantivos tais como “mesa”, “cadeira”, “pão”, em nomes de pessoas, e apenas em segundo lugar em nomes de certas atividades e qualidades, e nas restantes espécies de palavras como algo que se terminará por encontrar.
Pense agora no seguinte emprego da linguagem: mando alguém fazer compras. Dou-lhe um pedaço de papel, no qual estão os signos: ‘cinco maças vermelhas’. Ele leva o papel ao negociante; este abre o caixote sobre o qual encontram-se o signo ‘maças’; depois, procura numa tabela a palavra ‘vermelho’ e encontra frente a esta um modelo da cor; a seguir, enuncia a série dos numerais — suponha que a saiba de cor — até a palavra ‘cinco’ e a cada numeral [enunciado] tira do caixote uma maçã da cor do modelo. Assim, e de modo semelhante, opera-se com palavras. Mas como ele sabe onde e como procurar a palavra ‘vermelho’, e o que vai fazer com a palavra ‘cinco’?
Ludwig Wittgenstein, Investigações Filosóficas
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Colabore com o Blog Registrando a sua opinião!