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sábado, 12 de junho de 2010

O Despertar de Kant...

Imanuel Kant foi um homem de compleição franzina que, segundo contam as histórias acerca de sua vida, jamais deixou a pequena cidade de Königsberg, na Alemanha, onde viveu de 1724 a 1804. Contam, também, algumas lendas sobre a exagerada disciplina e pontualidade que Kant mantinham com relação a alguns de seus hábitos diários. Uma dessas lendas afirma que os homens encarregados dos horários dos trens ajustavam os seus relógios de acordo com o passeio matinal que, pontualmente, o filósofo alemão fazia todos os dias em seu jardim.

Seu trabalho é marcado por suas três principais obras, que se reúnem sob o título geral de Criticismo Transcendental: são elas a Crítica da Razão Pura (1781- 7), que pretende demarcar as fronteiras daquilo que se pode conhecer; a Crítica da Razão Prática (1788), que discorre sobre o conhecimento prático humano ou sobre o dever moral; e, finalmente, a Crítica do Juízo (1791), na qual Kant se volta para o destino último do universo, das coisas e da experiência humana. Diferentemente daquele significado comum de “Denegrir”, “Depreciar”, “Apontar para os defeitos” etc, a Crítica no sentido filosófico se refere a uma indagação rigorosa sobre os fundamentos daquilo que se pode (ou se quer) conhecer e/ou daquilo que se pode (ou se quer) fazer. Notamos, então, que Kant empenhou toda a sua vida na inquirição sobre a condição do conhecimento, seus limites e suas possibilidades.

É Kant quem nos relata que foi “despertado de seu sono dogmático” quando se deu conta dos efeitos devastadores das afirmações contidas na obra de David Hume, principalmente aquelas que se opunham a uma existência, em si mesma, das coisas segundo um ponto de vista metafísico: como a existência em si mesma de Deus, a existência em si mesma do Sujeito, a existência em si mesma de Objeto, da matéria, da forma, do espaço, dos fenômenos em geral e, também, a existência em si mesma das relações causais.

O que Kant quer dizer com “despertar do sono dogmático” é que, antes de tomar conhecimento do pensamento de Hume, ele também acreditava em afirmações sobre a existência desta lista de coisas sem que, necessariamente, esta crença estivesse baseada em uma Crítica no sentido acima exposto. Ele toma para si, portanto, o trabalho de traçar esta Crítica de modo a se poder verificar com precisão os limites daquilo que é possível conhecer e afirmar. O peso do trabalho kantiano está em separar do conhecimento metafísico o que pode ser conhecido do que não pode ser conhecido nas mesmas condições. Em outras palavras, a força e a importância de sua obra é a de separar aquilo que é ciência (no sentido amplo da palavra) daquilo que é mero dogmatismo. Este trabalho foi tão relevante para a Filosofia que a sua História se divide em “antes de Kant e depois dele”.

O grosso do que precisamos saber do pensamento kantiano acerca do conhecimento está na Crítica da Razão Pura, em que ele tenta averiguar as condições necessárias e suficientes para o conhecimento puro, ou seja, para aquele conhecimento que não requer qualquer experiência que o verifique. Notamos que, antes que Kant expusesse suas idéias, todos acreditavam que, para se conhecer, era necessário iniciar as investigações partindo-se “daquilo que se queira conhecer”, isto é, acreditava-se que era necessário investigar os “objetos” tomados em si mesmos, independente do sujeito. Porém, ao fazê-lo automaticamente se postulava uma existência transcendental para estes objetos, assim como o fez Platão por exemplo. Era exatamente esta postura que Kant condenava como dogmatismo filosófico: uma crença sem fundamentos numa existência essencial dos objetos como meras idéias que dão suporte ao mundo sensível em geral.

Kant irá inverter o jogo filosófico do conhecimento dizendo que toda investigação sobre o quê se pode (ou se quer) conhecer deve partir daquilo que fornece as condições necessárias e suficientes para o conhecimento em primeiro lugar. Para ele, estas condições se encontram, justamente, no Sujeito do
conhecimento e é a partir dele que sua investigação inicia. Ao invés de ir buscar o conhecimento diretamente nas coisas do mundo (nos objetos), como era prática comum antes dele, Kant irá inverter a investigação filosófica e apontar a mira de sua filosofia para o Sujeito conhecedor. Assim, ele inicia partindo do pressuposto de um Sujeito em geral (ou Transcendental) no qual as características essenciais de qualquer sujeito particular (eu, você, o professor, nosso vizinho, ou qualquer um) poderiam ser encontradas. Essas características essenciais poderiam ser todas resumidas pelo nome de Razão.

O início da filosofia kantiana, portanto, se dá quando ele considera como inata (de nascença) a todo ser humano uma faculdade pura do entendimento. Este entendimento é “puro” porque Kant quer considerar apenas a sua estrutura formal – a mera possibilidade de conhecer as coisas e não as coisas particulares que se pode conhecer por meio dela. Por ser inata, essa possibilidade de conhecer as coisas vem antes de conhecê-las de fato, portanto a Razão só pode ser uma condição de conhecimento a priori do ser humano. No entanto, aquilo que se conhece de maneira particular (os objetos como mesas, cadeiras, pessoas etc), que é o conteúdo que preenche a estrutura do nosso entendimento, e que vem depois dela portanto, é a posteriori, ou seja, só podemos conhecer estes conteúdos diversos por meio de nossa vivência diária no mundo.

Para este filósofo, o entendimento puro e a experiência completam o todo do que chamamos de Sujeito do Conhecimento. Este seria composto pelo Sujeito Transcendental (à priori), que é a pura condição de todo conhecimento; e o Sujeito Empírico (à posteriori), que realiza a ação particular de conhecer por meio das experiências diversas (a vizinha, o açougueiro, o menino etc) - são as pessoas tomadas individualmente. O Sujeito Transcendental fornece as condições de possibilidade para que o Sujeito Empírico, por meio da experiência, possa conhecer os objetos empiricamente. Por sua vez, o Sujeito Empírico fornece o conteúdo, por meio da experiência com os objetos particulares, para que o Sujeito Transcendental possa criar generalizações, conceitos, idéias, teorias, abstrações, planos etc.

Um sem o outro torna impossível o processo do conhecimento. Sem a estrutura formal não há como conhecer os objetos particulares. E sem a experiência com estes objetos a estrutura fica imóvel, sem ter com que trabalhar. O à priori e o à posteriori, unidos, nos fornecem as condições para um conhecimento completo e, parafraseando Kant, “O Entendimento sem a Experiência é cego, a Experiência sem o Entendimento é burra”.

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