Descartes e Bacon mostram-se como lados opostos da mesma moeda. Por um lado, Descartes aposta no uso exclusivo da Razão na obtenção de um conhecimento Universal e Necessário; por outro, Bacon acredita que as experiências trazidas pelas sensações são imprescindíveis para se iniciar qualquer processo de pensamento. Ainda que suas posições sejam antagônicas, seus objetivos são os mesmos. Ambos estão em busca de um conhecimento válido, ambos apostam na faculdade de raciocínio humano, portanto num espírito superior ao restante dos animais. Tanto Descartes como Bacon acreditam que este conhecimento vá-lido pode ser encontrado por meio da criação de generalizações, de idéias que representam a realidade, de modelos que permitam seu fácil manuseio. Suas diferenças ficam por conta do método de como se atingir este tão almejado conhecimento sobre o mundo.
Mas qual seria a finalidade da obtenção deste conhecimento? Se trataria de uma busca desinteressada pelo conhecimento ou de algo mais? Existiria um objetivo, um fim que iria além do próprio conhecimento? Ao que tudo indica, é isto o que ocorre. O Racionalismo e o Empirismo são as duas raízes filosóficas de onde brotam as ciências tal como as conhecemos hoje. A Física, a Química, a Biologia, a Medicina, a Meteorologia, a Astronomia, a Agronomia etc., são exemplos da culminação do pensamento racionalista unido ao pensamento empirista. Todas estas formas de buscar um conhecimento específico sobre o mundo tomam emprestados os pressupostos dessas filosofias aparentemente opostas, numa união muito produtiva.
Do racionalismo, as ciências tomaram emprestado o gosto pelo raciocínio lógico-matemático, pelas afirmações que se pretendem Universais e Necessárias. Do empirismo recolheram a idéia de que todo o conhecimento deve ser retirado dos exemplos que a natureza nos fornece. Vemos como as ciências nascem de pensamentos, de posturas que são, em última análise, filosóficas. Mas a filosofia também não aparece do nada, ela ocorre devido a situações que são fundamentalmente históricas. Tanto o Racionalismo quanto o Empirismo surgiram praticamente na mesma época. Seria isto por acaso? Provavelmente não. Nesta época, as Monarquias Absolutistas e o Mercantilismo estavam em pleno desenvolvimento. Qualquer filosofia que desse suporte à prática predatória destes Estados colonizadores e às suas políticas comerciais seria bem-vinda.
O Racionalismo afirma a distinção entre o corpo e a alma, o que, filosoficamente, dá apoio aos dogmas cristãos e, conseqüentemente, à Igreja Romana que, nesta época, se punha em empreitadas bélicas e financeiras no Oriente e nas Américas. Além disso, a exaltação da Razão que propõe o racionalismo nos serve com uma filosofia que referenda aquilo que já aparece no Gênesis: de que o Homem é a principal criação divina e que a natureza e o restante dos animais cumprem seu fim na medida em que são explorados pelo Homem. O uso da Razão, portanto, segundo o racionalismo, ocorre quando expropriamos a Natureza. Por esta época, o Renascimento já havia iniciado seu processo de centralização do Homem no centro das discussões divinas. Assim, se há uma forma de aproximar o homem renascentista de Deus, esta seria pelo uso daquilo que é exclusivo do Homem: a Razão, que obtém para si as Verdades Universais e Necessárias. Estas Verdades se colocam no lugar dos Dogmas religiosos e se tornam os novos mandamentos de Deus: “Utiliza a tua Razão de modo a obter as Verdades que procura e o mundo terá o tamanho do teu conhecimento sobre ele”.
Com relação ao empirismo, verificamos que o Homem renascentista é um Homem experimentador por excelência. Ele quer expandir seus limites por meio dos diversos recursos que lhe estão disponíveis. Estes recursos aparecem por meio das experiências. Que melhor maneira de dominar, de subjugar, senão pelo conhecimento experimental, senão pela prática científica que constrói modelos do mundo? Esta mesma prática é a que fornece os recursos para o desenvolvimento da técnica. Assim o Homem é, também, o construtor, o criador de seu próprio mundo. Mais uma vez ele se coloca no centro gravitacional de uma nova postura em relação ao seu dever como criatura. E mais um novo mandamento surge para tomar o lugar das antigas Tábuas do Sinai: “Domina a natureza pela ciência e pela técnica, e as portas do Paraíso na Terra se abrirão para ti.”
Destes dois “Pais”, destes dois ramos do pensamento ocidental, surge o que chamamos de Homem Moderno. As suas marcas filosóficas e científicas, as suas qualidades primordiais enquanto ser que pensa, as características mais fundamentais do que conhece, do que faz e diz se mantém intactas nele desde então.
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